São projetos agrários surgidos em Rondônia na década de 1970

Formação do estado de Rondônia, migrações colonizadores, êxodo rural, elite, processo migratório...

São projetos agrários surgidos em Rondônia na década de 1970
São projetos agrários surgidos em Rondônia na década de 1970
São projetos agrários surgidos em Rondônia na década de 1970
Whatsapp

As migrações colonizadoras, em solo brasileiro começam nos tempos coloniais. Mas para a Amazônia são mais tardias e aconteceram em vários momentos – em geral chamados de “ciclos econômicos” (mineração, borracha...) – e que se intensificaram a partir de meados do século XX dentro de uma política do governo federal. A partir da década de 1960 se planejou e executou projetos governamentais de colonização e de ocupação da Amazônia. E isso funcionou como uma espécie de plano estratégico de governo. Criou-se, inclusive um slogan: “Integrar para não entregar”.

Eram políticas muitas bem delineadas para efetuar a ocupação de grandes áreas em diferentes regiões da Amazônia, todas dentro da mesma proposta de integração. Destacam-se dois empreendimentos: a construção da rodovia Transamazônica e a ocupação de Rondônia. Ressaltando que essa ocupação regional ocorreu principalmente para aliviar conflitos que se intensificavam no sul-sudeste. Conflitos que resultavam do fenômeno chamado de êxodo rural que por sua vez se originara do processo de mecanização da lavoura e da política de industrialização que estava acontecendo. Isso pode ser expresso da seguinte forma: acontece o processo de industrialização e mecanização da agricultura que provoca o processo de concentração fundiária ocasionando o êxodo rural e o inchamento das cidades, agravando os problemas urbanos. Para responder a pressões e conflitos o governo federal precisava de uma área onde assentar instalar os excedentes populacionais. Esse espaço foi encontrado. Chamava-se Amazônia. Assim se inventou a Transamazônica, gerando empregos e Rondônia, para distribuir terras, ambos para integrar a região e para aliviar os conflitos do sul-sudeste. (Nem vamos entrar na discussão de que a crise do capital, no final da década de 1970 pondo um fim no “Estado do Bem Estar Social”, precisava alavancar o processo de expansão de fronteiras para dar uma sobrevida e reanimar o capitalismo. E, por isso, foi necessário atrair os colonos para a Amazônia a fim de amansar a região para que, também aqui, se infiltrassem as garras do capital efetivando o processo de concentração fundiária) Assim foi que se criaram as políticas de incentivo à ocupação; e as empresas colonizadoras se encarregaram de divulgar e organizar o processo de ocupação. Dessa forma os deserdados da terra receberam a promessa de ganhar terra, numa falsa ilusão de reforma agrária que deveria acontecer em Rondônia. E isso se fez a partir de inúmeros projetos e programas de colonização. A propaganda do governo mandava acreditar na promessa. E a ocupação se faz a partir de propaganda estatal e comercial. (Disso resulta um problema: o migrante que atendeu ao chamado e fez um desmatamento desordenado hoje é visto não como quem trouxe solução, mas como vilão, destruidor. O migrante, antes vítima do capitalismo rural, agora é vítima de um ecologismo acrítico. E o migrante é visto como depredador. O antigo sem terra é agora inimigo da natureza e da Amazônia. Mas quem realmente agride o ambiente: o pequeno sitiante ou o grande latifundiário, o madeireiro e as empresas de mineração?) É preciso lembrar que o processo migratório ocorrido a partir dos anos 1970, não foi de caráter espontâneo, mas resultante de uma política levada a efeito pelo governo federal que tinha como estratégia, de um lado, minimizar os problemas sociais nas regiões de alta densidade demográfica, com emergência de conflitos sociais e de outro, criar condições para a efetivação da política de integração nacional para regiões de fronteiras. Tudo isso caracteriza o fluxo migratório desse momento como sendo resultante de ações oficiais: é a invenção de Rondônia. Nos anos da década de 1970 a Amazônia, e em especial o estado de Rondônia, era um lugar privilegiado e potencialmente favorável para ser transformado em paraíso terrestre, a terra prometida, novos tempos, uma nova utopia, um novo encorajamento para mudar, mexendo no imaginário das pessoas que em levas constantes deslocaram-se para estas paragem em busca da materialização de antigos sonhos. E quem era esse homem? Um retirante que via nestas paragens a possibilidade de resolver sua vida, mudar, ascender, melhorar de vida! O homem que respondeu ao chamado era vítima de um projeto maior que amarrou os sonhos individuais num sonho coletivo. Pode-se dizer que o brasileiro que fez Rondônia trouxe a bagagem enrolada num saco que atado às costas se fez cacaio. A partir disso é que se pode dizer: os que inventaram Rondônia foram as elites mas quem a construiu foram os deserdados da terra. Aqueles que por algum motivo precisavam deixar seu lugar de origem e migrar, buscando um lugar para sustentar-se e manter viva a família, e o sonho. Dessa forma apareceram as várias cidades, em Rondônia. Dessa forma nasceu Rolim de Moura: acolhendo aqueles que de uma ou de outra forma, eram expulsos de sua região de origem. O que foi a invenção de Rondônia? A divulgação de fartura de terras e obras infra-estruturais. Noutros estados se dizia de Rondônia: terras férteis e fartas, possibilidade de acesso à terra, arremedo de reforma agrária; falava-se da estradas, telecomunicações, escolas e todo aparato promovido para maquiar e embelezar o que era um grande espaço verde feito de nada. Mas não se resolveu o problema e o processo não parou. E vão sendo criados, constantemente, novos projetos e novas propostas são apresentadas. E o homem que faz Rondônia permanece migrante e carregando uma espécie de chama ardente que o impulsiona para novas frente em busca do desconhecido, norteado pela “esperança em dias melhores”. Dá até para dizer que em muitos casos migrar é um projeto de vida. Um projeto que a bem da verdade foi fomentado e aguçado pela ideologia de ocupação disseminada pelo Estado autoritário. E hoje muitos dos que migraram e fizeram nascer as várias cidades de Rondônia continuam sendo migrantes. Alguns para outras regiões do estado e outros para outros estados. Todos na eterna busca do sonho da terra fácil, farta, fértil, própria para colher vida melhor. Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação Filósofo, Teólogo, Historiador Outras reflexões do professor Neri: http://falaescrita.blogspot.com/ http://ideiasefatos.spaces.live.com http://www.webartigos.com/

http://www.artigonal.com/

Publicado por: NERI DE PAULA CARNEIRO

São projetos agrários surgidos em Rondônia na década de 1970
Afficher l’image

1O atual estado de Rondônia, localizado na Amazônia meridional, expressa as dinâmicas territoriais originadas da colonização agrícola, iniciada na década de 1970, sob a gestão do Governo Federal. Trata-se de um conjunto de políticas econômica, social e territorial que atualmente o configuram como nova fronteira agrícola. Para a leitura das transformações geográficas, como práxis metodológica, se faz necessário consultar bibliografias que registraram os processos empíricos dessa sub-região da Amazônia, período em que quase tudo ainda estava para ser construído nos moldes do que se designa como frente pioneira e, posteriormente, modernização do espaço regional.

2Nessa perspectiva, a publicação do livro Rondônia: mutações de um território federal na Amazônia brasileira, tradução da tese de doutorado do professor Hervé Théry, defendida em 1976 na Université de Paris 1 (Panthéon-Sorbonne), sob a orientação do professor Pierre Monbeig e avaliado pelos professores Jacqueline Beaujeu-Garnier e Michel Rochefort, apresenta importante análise geográfica sobre as passagens e ocupações da região onde se encontra Rondônia. Trata-se de uma região da Amazônia com poucos estudos empíricos e que não reunia materiais, dados e informações sistematizadas, o que implicou em intenso trabalho de campo exploratório realizado pelo pesquisador em 1974. A pesquisa foi desenvolvida a partir do método da escola francesa de geografia, em que o autor busca compreender os diversos fatores envolvidos na rápida transformação territorial de Rondônia, e para isso, promove uma análise coerente e articulada com as características ambientais, organização fundiária e ação do poder público na organização espacial dessa frente pioneira, conceito basilar desse estudo.

3Portanto, essa obra, que foi escrita no momento em que ocorriam grandes transformações socioespacial de Rondônia, serve como referência obrigatória para estudos sobre essa região da Amazônia. Em questão de organização textual, o livro divide-se em quatro partes: 1) Uma região antiga recentemente transformada; 2) Um estilo de desenvolvimento e seus problemas; 3) Rondônia hoje, as novidades; e 4) Organização do espaço. Para contextualizar a pesquisa, agora traduzida, o autor sistematizou em dois capítulos finais a geografia de Rondônia no período de 1974/1996, indicando as grandes metamorfoses na frente pioneira. A leitura do livro nos permite compreender Rondônia nesse momento de intensas transformações, servindo-nos como referência obrigatória para o entendimento geral que configurou a geografia regional rondoniense1.

4Na primeira parte, designada como Uma região antiga recentemente transformada, analisa-se a história de Rondônia, desde as primeiras passagens e explorações, até o momento da abertura da rodovia que vai conectar ao sul/sudeste do Brasil. O primeiro tópico, dentro dessa parte, tem como título Rondônia antigo, em que o autor identifica duas importantes fases antes das grandes mutações a qual a região passara em 1970: os reconhecimentos e implantações portuguesas até meados do século XIX, e a instalação definitiva com a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM) e o boom da borracha (início do século XX).

5Sobre a primeira fase, a partir do século XVII missões bandeirantes e jesuíticas saíam de São Paulo em busca de novas áreas para exploração de riquezas, passando pelos rios Guaporé, Mamoré e Madeira, até chegar ao rio Amazonas; além disso, no século XVIII, as disputas pelo território com os espanhóis resultaram na construção do Forte Príncipe da Beira, localizado no município de Costa Marques, no vale do rio Guaporé-Mamoré, fronteira com a Bolívia (Figura 1). Apesar das diversas tentativas de ocupação dessa região, as cachoeiras existentes nos rios Madeira e Mamoré dificultavam a navegação nessas áreas. Visando superar as dificuldades impostas pela natureza, foram criados projetos de travessia desse trecho por uma ferrovia que ligaria à Bolívia com o oceano Atlântico, visando o comércio externo com os Estados Unidos; porém, apesar das diversas tentativas, esse projeto foi abandonado em 1879 com somente seis quilômetros de estrada de ferro.

Figura 1: Forte Príncipe da Beira (A) e trem abandonado da EFMM (B)

São projetos agrários surgidos em Rondônia na década de 1970

Autor: Hervé Thery (1974)

6A segunda fase aponta o início de ocupação desse espaço na ótica do processo econômico, que ocorre com o boom da borracha devido à crescente demanda da indústria automobilística americana, o que fez aumentar o fluxo de nordestinos/seringueiros para a Amazônia Ocidental, inclusive ocupando áreas da Bolívia, atual estado do Acre, e de acordo com Tratado de Petrópolis, cede este território em troca da construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (1907-1912). Com a construção da ferrovia surgem duas cidades, margeadas pelos rios Madeira e Mamoré: Porto Velho (pertencente ao estado do Amazonas) e Guajará-Mirim (pertencente ao estado do Mato Grosso), além de inúmeros vilarejos. No entanto, a queda do preço da borracha reduz a importância da ferrovia na ótica geoeconômica, mas permite o fluxo entre as duas cidades, o que dinamizou a região dos rios Madeira e Mamoré até a década de 1960. A partir desse processo, diversos fatores promoveram a mudança espacial de Rondônia: a criação do Território, a descoberta de jazidas de cassiterita, a abertura da BR-29 (posteriormente denominada BR-364), destacam-se como variáveis chaves da nova geografia de Rondônia.

7A criação do Território Federal do Guaporé ocorreu em 1945, sendo alterado para Território Federal de Rondônia em 1956, em homenagem ao Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon. Uma importante particularidade da criação do Território foi a lei de terras, que tornava toda a área pertencente à União, exceto as propriedades já distribuídas pelos governos do Amazonas e do Mato Grosso antes da definição do novo território federal. Soma-se a descoberta de jazidas de cassiterita, localizadas nas proximidades do povoado de Ariquemes, que promoveu uma corrida pela extração desse minério na década de 1960, acelerando o povoamento e movimentando o comércio local, até que em 1970 as mineradoras convencem do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) a proibir os garimpos, autorizando somente empresas para maiores produções.

8Por fim, a abertura da BR-29, posteriormente renomeada de BR-364, foi importante para a transformação da região. Sua construção seguiu o trajeto das “picadas” abertas pela expedição de Marechal Rondon, ainda no início do século XX, ao construir a linha telegráfica que ligava Cuiabá à Porto Velho. A estrada foi realmente implantada somente no governo JK (1961), mas com trajetos inadequados, resultando em longos tempos de viagens. Porém, a partir de 1966, com a instalação do 5° BEC (Batalhão de Engenharia e Construção) em Porto Velho, foi possível a construção da rodovia em condições mais favoráveis, resultando em viagens em três dias, considerando que a rodovia não estava asfaltada.

9A partir da construção da rodovia, modificam-se os fluxos populacionais e de mercadorias, deixando de seguir somente à Manaus, passando a interligar com o Sudeste do país, o que possibilitou o comércio de produtos agrícolas e também a importação mercadorias às atividades econômicas da região. Além disso, a rodovia possibilitou intenso fluxo migratório, acelerando o crescimento demográfico, que passou de 36.935 habitantes em 1950, para 116.620 habitantes em 1970, transformando a região em umas das mais ativas frentes pioneiras da Amazônia.

10Após essa revisão geohistórica sobre a ocupação de Rondônia, na segunda parte do livro intitulada Um estilo de desenvolvimento e seus problemas, o autor apresenta as características do meio natural, além de indicar os principais problemas para tal desenvolvimento econômico e social da frente pioneira.

11No capítulo sobre o meio natural de Rondônia, a partir de trabalhos de campo e com raras informações técnicas, o autor apresenta uma caracterização do ambiente abordando a vegetação, clima, solos e relevo, em que o conjunto dessas características impôs certas dificuldades à nova ocupação territorial. Assim, sobre a vegetação, a predominância é de uma floresta ombrófila densa, com algumas áreas de cerrado, principalmente nas serras do Pacaás e dos Parecis; sobre o clima, não se tem muitas informações precisas, no entanto, identifica-se em Porto velho um clima equatorial de transição entre os climas das cidades de Manaus e de Cuiabá, com períodos de seca entre os meses de junho a agosto, que servem de base para as atividades desenvolvidas, tanto para produção como para desflorestamento. Sobre as características do solo pouco se sabia, porém, na região de Vila de Rondônia (atual cidade de Ji-Paraná), encontram-se afloramentos de terra roxa, com boas condições para a prática agrícola. No entanto, a partir dos desflorestamentos percebe-se a predominância de um solo limitado em nutrientes para produção agrícola. Por fim, sobre o relevo, Rondônia apresenta uma pequena área de planície amazônica na margem esquerda do rio Madeira; uma vasta planície no vale do Mamoré-Guaporé, definindo a fronteira com a Bolívia; o norte do escudo brasileiro, que à época era difícil precisar suas características devido a densa floresta, mas que era a principal área de ocupação; e as chapadas, que são os principais “acidentes” do relevo rondoniense atingindo até 1.000 metros de altitude no Pacaás Novos.

12Além da insalubridade da região imposta pelas condições naturais, algumas características sociais limitavam a expansão da economia local, como a baixa densidade demográfica (abaixo de 1hab./km²), apesar da concentração em algumas áreas, o que acelerou o desmatamento, porém não melhorando a qualidade de vida da população. Outro aspecto importante reside na pouca qualificação técnico-profissional em qualquer área social e econômica, somando aqueles profissionais que chegavam de outras partes do país que tinham a expectativa de retornar aos lugares de origem. Ainda, sobre fatores limitantes do desenvolvimento local, destaca-se o choque entre as administrações local e federal, em que a primeira não tinha recursos humanos e financeiros para atender toda a demanda e área do território modificada pela política de colonização; já a segunda apresenta diversos órgãos com áreas específicas diferentes de atuação e que muitas vezes, por não atuarem em conjunto, tomavam decisões contraditórias.

13Por fim, o problema fundiário também consistia (e ainda consiste!) em fator impeditivo à atividade produtiva da região e fonte geradora de conflitos agrários. Fazendeiros e grileiros se aproveitavam da fragilidade jurídica e de gestão do Território Federal para se apropriarem ilegalmente de grandes áreas rurais dos colonos e dos povos indígenas, visto que levaria muito tempo para a regularização fundiária local, o que resultava em reserva de valor para a especulação fundiária. Nessa geografia, os colonos eram produtores de subsistência e com pouco crédito rural; os grandes fazendeiros e empresas agropecuárias especulavam com a terra, emergindo assim os conflitos sociais agrários devido a atuação brutal dos fazendeiros em relação aos posseiros e povos indígenas.

14A terceira parte do livro - Rondônia hoje, as novidades - apresentam informações empíricas e primárias levantadas pelo pesquisador sobre a região ainda pouco conhecida. Assim, o autor discorre sobre a importância da atividade extrativista, principalmente a borracha e a madeira que contribuíram muito com a ocupação e transformação do espaço da região. Além disso, o extrativismo mineral, como a cassiterita, permitiu ao Brasil maior independência em relação ao estanho, além de autorização de extração por grupos multinacionais estranhos à Amazônia, mas que conseguiram chegar até essa região devido à abertura da estrada que liga ao Sul do país.

15Outras duas importantes atividades agricultura e pecuária qualificam, desde então, a dinâmica produtiva da frente pioneira. A primeira era praticada por dois grupos, os parceleiros - aqueles que receberam terras dos projetos de colonização - e os posseiros camponeses, cuja diferença está entre eles reside somente no fato dos primeiros receberem um suporte técnico, possibilidade de crédito e a garantia de posse de terra, não existente entre os integrantes do segundo grupo. A pecuária constitui atividade tanto dos camponeses, mas, sobretudo, dos médios e grandes fazendeiros.

16O desenvolvimento da agricultura em Rondônia dá-se a partir de três projetos de colonização: Colonização Pública Federal (INCRA); Colonização Pública Territorial; e a colonização privada. A principal foi a colonização organizada pelo INCRA, que na década de 1970 apresentou os Projetos Integrados de Colonização (PIC) Ouro Preto, localizado na região central, próximo à Vila de Rondônia (Figura 2) e principal PIC; Jy-Paraná, na região de Cacoal, com grande número de famílias assentadas; e o Sidney Girão, localizado em Guajará-Mirim, na fronteira com a Bolívia, sendo o último a ser ocupado, somente a partir de 1974, quando os outros já estavam saturados. De forma geral, os PIC’s apresentavam estruturas semelhantes, com lotes de até 100 hectares para as famílias praticarem a agricultura e alguns de 200 ha para a criação de gado. Já se notava que a pecuária seria a principal atividade produtiva na frente pioneira.

17

Figura 2: Início da colonização em Rondônia (1974). Vista da Vila de Rondônia, hoje cidade de Ji-Paraná, a segunda na hierarquia urbana rondoniense.

São projetos agrários surgidos em Rondônia na década de 1970

Agrandir Original (jpeg, 632k)

Autor: Hervé Thery (1974)

18A quarta e última parte do livro intitulada Organização do Espaço, Hervé Théry analisa o modelo de organização socioespacial (rural/urbano) que se cristaliza no Território Federal de Rondônia. As estruturas organizacionais alojadas sobre esse espaço acelerou o crescimento demográfico e, consequentemente, um novo paradigma econômico começou a dar visibilidade à região. Com a implantação da estrada (BR-29/364) e dos projetos de colonização idealizados, o modelo de produção extrativista é substituído pela agropecuária, que se tornará a mais importante e dinâmica atividade econômica do Território Federal de Rondônia. Para Théry, a ideologia da colonização fixada na perspectiva do “Novo Eldorado” efetivou a mutação e o rompimento das estruturas pré-existentes no território, que se configurou na mercantilização da terra e da natureza. Doravante, amplia-se a corrida pela terra e os conflitos agrários envolvendo grupos sociais diversos: fazendeiros, madeireiros, posseiros, grileiros e indígenas.

19Na visão do autor, durante o período de estudo, duas Rondônia se constituíram distintamente com base na organização do espaço: a primeira, por ele denominada “útil”, se concentrava no eixo da estrada que contava com 80% da população e ocupava 10% da área territorial da região, pois agrupavam os projetos de colonização, formando a região pioneira. A segunda, “vazia”, representada por 90% território e, apenas, 20% da população. Os maiores núcleos de concentração e dinamismo socioeconômico-espacial que se configuraram nessa temporalidade formavam verdadeiros ‘arquipélagos’ regionais representados pelo tripé: Porto Velho, Guajará-Mirim e Vila de Rondônia (atual Ji-Paraná). Essas cidades se desenvolveram sobre si mesmas, pois a distância entre elas dificultava uma maior integração/polarização regional. Por outro lado, a pobreza, a desigualdade e a escassez de infraestrutura urbana nutriram um urbano fragilizado, constituindo ‘bolsões de pobreza’ que cresciam em consonância com a urbanização.

20Segundo o autor, em 1974 essas regiões tornaram-se centros estratégicos para o desenvolvimento econômico do Território Federal de Rondônia, à medida que a atividade comercial crescia sistematicamente alicerçada no comércio inter-regional. A dependência econômica externa tornou-se um grande obstáculo para a região, haja vista que produtos industrializados e manufaturados eram “importados” de São Paulo, Manaus e Belém. As mercadorias procedentes de São Paulo o fluxo realizava-se pela BR-29/BR-364, enquanto que Manaus e Belém mantinham conexão através do sistema fluvial do rio Madeira. Diante dessa perspectiva, Théry declara que as dinâmicas dessa região são extremamente dependentes dos fatores externos, estes compreendidos como agentes sociais, políticos e econômicos que proporcionaram um novo arranjo espacial para a região. A entrada do capital financeiro em conjunto com as políticas do governo federal resultou em investimentos promotores das novas espacialidades socioeconômicas.

21A lógica imposta pelos agentes governamentais e o capital privado sobre o território, passa a integrar espaços antes “vazios” e descontínuos de povoamento. Cidades surgem ao longo da rodovia BR-364, como Cacoal, Pimenta Bueno, Jaru e Vila Rondônia (atual Ji-paraná), em progressão escalar cada vez mais dinâmica impulsionada pelos fluxos e fixos que se estabelecem na precária rede rodoviária estadual. A artéria central de integração (BR-29/ BR-364) tornou-se referência para a abertura de novas estradas, interligando pontos extremos criados pelos projetos de colonização do INCRA.

22Contudo, as dificuldades cresciam com a territorialização dos colonos em suas parcelas. No setor agrícola (voltado à subsistência), a fragilidade do solo sem capital e, tampouco, o uso de técnicas de melhoramento agregado às dificuldades de financiamento, indicava a incerteza de permanência na terra para muitas famílias. Esses fatores contribuíram para a especulação fundiária e, consequentemente, à expansão pecuária extensiva, corroborando para a progressão sistemática do desmatamento regional. O crescimento da expansão da pecuária modificou a estrutura fundiária nas áreas colonizadas. A região pioneira (Ji-paraná) começa a perder população à medida que ocorre a conversão das áreas agrícolas em pastagens, favorecendo a concentração de terras e reduzindo a mão de obra no campo. Uma verdadeira região agropecuária começa a se consolidar no território rondoniense, principalmente na região central, que vai concentrar a pecuária leiteira e de corte, bem como culturas agrícolas diversificadas.

23Essas mutações socioespaciais ocorridas ao longo do tempo se ampliaram ainda mais com a transformação do Território em Estado da Federação em 1982. Nesse mesmo período, a geografia politico-administrativo do Estado se transforma com a origem de novos municípios. Em 1970 o Território Federal de Rondônia tinha apenas dois municípios (Porto Velho e Guajará-Mirim). Atualmente apresenta 52 municípios que formam a rede urbana derivada da política de colonização da década de 1970.

24Novas estruturas socioespaciais se instalaram com o advento do Estado de Rondônia: a urbanização se acelerou chegando a 73,5% em 2013; a agropecuária tornou-se o mais importante setor da economia estatal com forte contribuição no PIB (Produto Interno Bruto), responsável por 12,04%, em 2013; a expansão do setor agroindustrial que acompanhou a lógica crescente da agropecuária regional e, por fim, o avanço do agronegócio que passou a projetar Rondônia como estado estratégico, não apenas como mero produtor de commodities, mas também pela logística, ainda precária, para o escoamento de grãos e carne produzidos e exportados pelos estados de Mato Grosso e Rondônia.

25Ao longo dos últimos 42 anos (1974-2016) Rondônia foi palco de transformações diversas. O legado dessas alterações marca a rapidez do acontecer socioeconômico que resultou numa nova configuração socioespacial de um território que permanece em plena mutação. Dessa forma, a obra Rondônia: Mutações de um território federal na Amazônia Brasileira, mesmo tendo grande parte pesquisada e escrita no período de 1974-1976, permite ao leitor compreender os processos acelerados de transformação ao qual a região passou e continua a passar, com intensa participação do agronegócio e do setor madeireiro, pressionando comunidades tradicionais amazônicas, indígenas, quilombolas e camponeses para o efetivo uso do espaço pelo capital globalizado.

Foto 3: Hervé Théry em trabalho de campo (1974)

São projetos agrários surgidos em Rondônia na década de 1970

26Para finalizar, duas observações são necessárias elencar. Primeiro, deve-se destacar que o professor Herve Thery tinha 24 anos quando esteve em Rondônia em 1974 (Figura 3). Um jovem pesquisador que “explorou” uma região em ebulição social e territorial, que na época era pouco estudada pelos pesquisadores brasileiros. Registrou o surgimento de várias localidades, que na década de 1980 se tornaram cidades e hoje apresentam pujança econômica e social, o que lhes garantem, por exemplo, adequados IDHM quando comparado com municípios do mesmo porte geoeconômico do Sul/Sudeste do país. Portanto o livro-tese é um registro dessas mutações territoriais, quase tudo anotado pela competência acadêmica de um jovem pesquisador.

27A segunda observação é que a obra resenhada é indicada, principalmente, aos estudantes de geografia que ainda não puderam ler uma tese que expusesse o método de monografia regional da escola francesa de geografia. Há muito que ensinar aos geógrafos sobre a importância do trabalho de campo e das técnicas de registros para análise da paisagem, do espaço e do lugar.

28No método destaca-se a minuciosa e intensa pesquisa de campo numa região da Amazônia em que não se tinham dados estatísticos sistematizados e escassas literaturas publicadas. Os registros fotográficos e a captura dos processos sociais comparecem como importante recurso metodológico para o estudo exploratório de regiões e lugares ainda pouco estudados. O conceito norteador da pesquisa está assentado na perspectiva da frente pioneira, desenvolvida pelo professor Pierre Monbeig, que estudou São Paulo e a expansão do café. Assim, a partir de Rondônia, há 42 anos o professor Hervé Théry tem se dedicado a estudar a Amazônia e o Brasil, numa abordagem que articula geografia regional e geografia política, sendo que sua tese foi a primeira a ser dedicada ao estudo geográfico de Rondônia.

29Boa leitura!


Page 2