Em recente julgado, a Ministra Nancy Andrighi decidiu questão envolvendo propaganda comparativa realizada pela empresa SPECTRUM Brands Brasil Indústria e Comércio de Bens de Consumo Ltda., que utilizou a marca DURACELL nas embalagens do produto RAYOVAC e em matérias publicitárias (REsp n. 1.668.550/RJ - Registro no STJ 2014/0106347-0). A campanha “Desafio Rayovac” divulgou que as pilhas RAYOVAC têm a mesma duração da concorrente DURACELL. A ação foi julgada improcedente em 1º grau. O juiz entendeu que a publicidade foi promovida em conformidade com o que é permitido pelo mercado publicitário. De acordo com a sentença, divulgar pesquisa de que o produto RAYOVAC tem a mesma duração do produto DURACELL não caracteriza concorrência desleal, tratando-se de mera divulgação de informação, sem intuito de denegrir a marca DURACELL, mas de informar ao mercado que ambos os produtos têm a mesma duração e preços diversos. Interposto recurso de apelação, o Tribunal manteve a sentença sob o entendimento de que a propaganda comparativa não incorreu em concorrência desleal, salientando que a própria empresa recorrente já se valeu deste tipo de publicidade em relação à empresa recorrida. O recurso especial foi inadmitido pelo Tribunal de origem, tendo sido interposto agravo contra a decisão de inadmissibilidade, que foi convertido em Recurso Especial pela Min. Nancy Andrighi. A Ministra Relatora julgou o mérito da ação e houve por bem negar provimento ao recurso especial, acompanhada de forma unânime pelos demais Ministros. A priori, a ilustre Relatora destacou que a publicidade comparativa é permitida no âmbito da União Européia (Diretiva 2006/114/CE do Parlamento Europeu e do Conselho da União Européia , de 12 de dezembro de 2006), nos E.U.A. (Federal Trade Comission Act Section 5) e MERCOSUL (Resolução MERCOSUL/GMC/RES. 126/96). Acrescente-se que o Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária prevê a publicidade comparativa em seu artigo 27, ao dispor:
A seção 7 do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária é inteiramente dedicada à publicidade comparativa, se não vejamos:
Observa-se do quanto previsto na alínea “h” do artigo 32, que a informação relativa aos preços é uma obrigação quando os produtos comparados não possuírem preços equivalentes. O Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária também faz referência ao antigo Código da Propriedade Industrial (lei 5.772, de 21 de dezembro de 1971). A propaganda comparativa é permitida dentro dos limites e princípios estabelecidos no art. 32. A propaganda não pode estabelecer confusão entre produtos e marcas concorrentes, nem tampouco denegrir a imagem do produto ou marca de terceiro. Segundo o entendimento da Min. Nancy Andrighi, para se aferir a licitude da publicidade comparativa é necessário sopesar as normas que asseguram a proteção à marca e aquelas que garantem a concorrência livre, a liberdade de expressão e o acesso à informação, uma vez que o direito de uso exclusivo da marca não é um direito absoluto e irrestrito, confira-se:
Concluiu-se que a solução do caso impõe avaliar o equilíbrio entre os interesses do recorrente, titular da marca “DURACELL”, e os interesses do público consumidor em ter acesso à informação divulgada pela recorrida no Desafio Rayovac. A Ministra ressaltou que a análise da pretensão das recorrentes em todos os seus aspectos demandaria o revolvimento das provas dos autos, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ. Assim, o STJ se limitou em avaliar se “as premissas legais e teóricas anteriormente fixadas estão em consonância com as conclusões alcançadas pelo TJ/RJ. Vale dizer, impõe-se verificar se o acórdão recorrido valorou adequadamente as provas produzidas no curso da ação”. Restou decidido que a publicidade comparativa não foi veiculada com o intuito de “denegrir ou atribuir caráter pejorativo à marca das [recorrentes], nem confundir o consumidor, havendo apenas informação sobre situação fática que a anunciante reputa relevante em seu favor” e que é “clara, objetiva e [teve] o condão de beneficiar o consumidor, que poderá adquirir produto assemelhado e com o mesmo fim por preço inferior”. _____________ *Lyvia Carvalho Domingues é advogada especialista em Propriedade Intelectual e direito das Novas Tecnologias no escritório Newton Silveira, Wilson Silveira e Associados - Advogados.
A multiplicação de meios de comunicação e informação, característica do mundo digital, tem trazido significativas mudanças nas relações de consumo da sociedade como um todo. É neste cenário que as peças publicitárias e estratégias de marketing se fazem cada vez mais elaboradas e até mesmo mais agressivas, com o intuito de realmente capturar a escassa atenção do consumidor. Atuando em um mercado cada vez mais hostil é que empresas vêm inovando em suas peças publicitárias, buscando cativar a fidelidade do consumidor, inclusive comparando seu produto ou serviço com o de seu concorrente, na tentativa de convencer o consumidor de que o seu produto é, de fato, a melhor escolha. Entretanto, esse tipo de publicidade que, em tese é prejudicial aos concorrentes que estariam tendo o seu produto anunciado como “inferior” em propaganda alheia, é permitida? Esta prática, denominada de publicidade comparativa, é pacificamente aceita tanto pelos Tribunais Brasileiros assim como pelo CONAR – Conselho Nacional e Autorregulamentação Publicitária -, desde que se respeite certos parâmetros. O CONAR, órgão da sociedade civil fundado na década de 70, que atua na regulamentação e fiscalização das normas éticas aplicáveis à publicidade e propaganda, já manifestou o seu entendimento de que publicidade comparativa é aceitável, desde que esta atenda à certas condições, como, por exemplo, ter o objetivo de informar o consumidor. Ou que seja a comparação baseada em critérios objetivos e passíveis de verificação. A publicidade comparativa não é aceita, por exemplo, quando esta tem como objetivo causar a depreciação à imagem do produto ou à marca de concorrente, ao contrário do que ocorre em diversos outros países como os Estados Unidos, no qual esse tipo de propaganda – ridicularização do concorrente – é amplamente utilizada e aceita. Muito embora o CONAR – e o próprio Judiciário – já tenham se manifestado acerca dos requisitos autorizadores para que se veicule uma propaganda comparativa, é evidente que ainda são muitos os casos nos quais se questionam a legalidade e regularidade desse tipo de propaganda. Isso porque, muitas vezes, os critérios comparativos podem se revestir de certa subjetividade, além do fato de ser mais difícil a apuração quanto à caracterização da ocorrência ou não da depreciação da marca do concorrente no caso concreto. Na indústria automobilística, na qual esse tipo de propaganda é muito utilizado vez que se trata de um mercado altamente competitivo e no qual as informações técnicas do produto costumam, de fato, orientar a escolha de consumo, é um dos ambientes nos quais mais se tem esse tipo de discussão. É muito comum que no lançamento de um novo produto neste segmento, se a propaganda não se restringir a conter alto apelo emocional, ela contenha algum tipo de informação quanto ao desempenho do veículo, sendo comum a comparação deste com os demais da mesma categoria presentes no mercado. Comparações com relação à potência, motor, tecnologia de câmbio, entre outros são muito comuns. Contudo, também não é incomum que algumas dessas propagandas sejam questionadas junto ao CONAR. Dentre elas, cite-se a campanha publicitária “DESAFIO S10” veiculada em 2016 pela GENERAL MOTORS sobre a sua nova “pick-up” S10, composta por 3 peças publicitárias. A primeira, denominada de “prova de arrancada”, consistia em uma espécie de competição daquele carro junto do veículo da sua “concorrente japonesa”, em referência ao veículo da mesma categoria da marca TOYOTA e na qual o veículo da GENERAL MOTORS “arrancava” com larga vantagem com relação ao carro da TOYOTA. As demais, “prova da baliza” e “prova do inferno” igualmente indicavam o veículo da GM como superior ao seu concorrente. Ainda, afirmava-se na propaganda que a “pick-up” S10 seria a “mais forte do mercado”. Incomodada com tais peças publicitárias, a TOYOTA, apresentou uma reclamação junto ao CONAR sob a alegação de que a campanha da GM seria antiética, vez que estaria desqualificando a TOYOTA, depreciando, portanto, a imagem da marca, bem como que conteria informações inverídicas, em relação ao ranking do segmento e metodologia do teste mostrado na peças publicitárias. A GM defendeu-se argumentando que as informações apresentadas nas propagandas seriam verídicas e que poderiam ser verificadas, de modo que a campanha estaria em conformidade com os requisitos previstos pelo Código do CONAR. O conselheiro relator que julgou o caso entendeu pela regularidade da campanha publicitária, determinando o arquivamento da reclamação. Outro desfecho foi dado à publicidade da Fiat Chrysler que incentivava consumidores a irem presencialmente a concessionárias nas quais poderiam realizar o “Desafio Argo”, que consistia no ‘test-drive’ dos veículos de seus concorrentes – CHEVROLET ONYX e HYUNDAI HB20, assim como do veículo FIAT ARGO. A GM, fabricante do CHEVROLET ONYX apresentou reclamação no CONAR em fevereiro de 2018, alegando que havia verificado que os veículos disponibilizados nas concessionárias para a realização do “desafio” estariam em condições desiguais quanto à quilometragem e ano de fabricação, o que resultaria em uma comparação inverídica. A GM queixou-se também de informações comparativas em material publicitário impresso da Fiat, que considerou incongruentes, capazes de levar os consumidores em erro. A reclamação foi aceita pelo conselheiro relator, tendo sido determinada a sustação da campanha publicitária, incluindo o material impresso remanescente nos pontos de venda. Já mais recentemente pode-se citar a propaganda veiculada pela CAOA CHERY que, na divulgação do veículo TIGGO 7 em 2019, afirmava de forma generalizada que este veículo seria superior aos de seus concorrentes, sendo “mais econômico, mais confortável, mais rápido e muito mais equipado”. A propaganda afirmava ainda que este veículo teria supostamente “vencido a concorrência em diversas categorias”, tendo inclusive referenciado seus concorrentes na propaganda. A propaganda fundamentava tal comparação em um artigo supostamente veiculado pela Revista Especializada “QUATRO RODAS”. Entretanto, em reclamação apresentada pela TOYOTA e DENTSU, restou verificada que as s reportagens que teriam dado origem às comparações não as ratificavam, bem como que as comparações feitas no comercial seriam subjetivas e careceriam de precisão, de modo que a publicidade seria irregular, tendo sido determinada a sua sustação pelo CONAR. Assim, tem-se que a publicidade comparativa, apesar de, a princípio ser prática amplamente aceita pelo mercado, só é permitida se se preocupar com a veracidade das informações, assim como com os critérios objetivos a serem utilizados para tal comparação. Marianna Furtado de Mendonça é advogada e sócia do escritório Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello |