Como a perspectiva das histórias conectadas podem contribuir com a historiografia moderna europeia

A revista Esboços: histórias em contextos globais, editada pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), publicou o volume 26, número 42. A edição traz o dossiê intitulado “Toda história é história conectada?”, composto por cinco artigos que apresentam múltiplas respostas aos desafios colocados pelo estudo das conexões históricas, em uma interface importante com a História Global.  

Segundo Alex Degan e Lindener Pareto Junior, organizadores do presente dossiê, os seus textos “visam contribuir para o debate cada vez mais amplo de histórias em contextos globais, para além do nacionalismo metodológico, privilegiando conexões, escalas de análise integradas na longa duração ou na conexão de um espaço geográfico mais amplo.” O teor dos artigos evidencia sujeitos e redes amplos e conectados, resultando num interessante mosaico metodológico cuja linha mestra é a da história conectada.

Entre os trabalhos publicados está “Os Pláucios, a emancipação da plebe e a expansão romana: conectando as histórias interna e externa da República Romana”, de autoria de José Ernesto Knust, do Instituto Federal Fluminense. Para o autor, “a divisão tradicional entre história interna e externa de Roma acaba por nos impedir de ver conexões e simbioses entre processos que se dão em escalas geográficas diferentes”. Nesse sentido, focalizando o período republicano da Roma Antiga, Knust propõe uma análise inovadora ao olhar para as transformações da época como partes de um mesmo processo histórico.

Em “Connecting Worlds, Connecting Narratives: Global History, Periodisation and the Year 751 CE”,  Otávio Luiz Vieira Pinto, da Universidade Federal do Paraná, estabelece uma narrativa conectada entre Oriente e Ocidente, tomando o ano de 751 E.C. como um laboratório para repensar a forma como tradicionalmente a história pré-moderna é periodizada. Destacando o etnocentrismo que ainda afeta a prática historiográfica, o autor argumenta que “um olhar mais amplo e diverso, tanto cultural quanto geograficamente, permite perceber novas maneiras de periodizar a história sem privilegiar unicamente a história européia.”

Já Luciana Fazio, da Libera Università Internazionale degli Studi Sociali Guido Carli (Roma) e autora do artigo “Más allá de una simple biografía: “el caso Cerruti” una historia conectada y multinivel enlazada por un ‘historiador electricista‘”,  assinala que “uma simples biografia, ‘micro’, pode esconder uma história ‘macro’ na qual de se conjugam dimensões nacionais, internacionais, transnacionais”. Por meio do “caso Cerruti”, ela demonstra de que modo a história conectada opera, refletindo sobre como a historiografia atual pode efetuar uma leitura diferente do passado por meio de um estudo multinível.

O quarto artigo, denominado “Contribuições preliminares da história universal de H.G. Wells: elementos de história socioevolucionista e da world history contemporânea”, busca recriar o debate público gerado pela grande repercussão editorial e popular da publicação da História universal (1919), do escritor inglês H.G. Wells. O autor, Fábio Luciano Iachtechen, do Instituto Federal do Paraná,  argumenta que “o arranjo proposto por Wells pode ser considerado precursor da world history, cujas características podemos identificar inicialmente nas décadas de 1960 e 1970, a partir de temas concernentes a um mundo globalizado em suas múltiplas perspectivas, como doenças, imigrações, questões ambientais, identidades ou circulação do conhecimento”.

Por fim, Raissa Brescia dos Reis e Taciana Almeida Garrido Resende chamam atenção para o entrelaçamento de propostas alternativas para as Relações Internacionais a partir da década de 1950. O seu artigo, “Bandung, 1955: ponto de encontro global”, põe em xeque análises correntes sobre a Conferência Afro-Asiática de Bandung (1955), vista como fundamental para os estudos de uma História Global da segunda metade do século XX. Segundo as autoras, “o artigo nasceu do encontro de duas pesquisas que problematizam os silêncios em torno da mobilização terceiro-mundista.”

A Esboços: histórias em contextos globais tem como principal objetivo fomentar o debate em torno da História Global, publicando artigos, entrevistas e resenhas, em português, inglês e espanhol, que tragam enfoques transnacionais, transculturais e comparados, explorando processos em micro e macro escala, em múltiplas temporalidades. Com efeito, além do dossiê mencionado, este número conta com cinco artigos livres e uma resenha que se articulam à História Global em suas diversas vertentes. O conteúdo completo desta e das edições anteriores está disponível em acesso aberto, via Portal de Periódicos da UFSC. Para conferi-lo, acesse o site da revista.

A história conectada surgiu na década de 1990, em resposta à história comparada.[1] É um ramo da história mundial que permite jogos de escalas espaciais e temporais, e que tem como representante principal Sanjay Subrahmanyam. 

O método da história conectada define uma nova abordagem para a escrita da história, adquirindo diversas particularidades e enfrentando novos desafios para a narrativa histórica. A fim de poder compreender as conexões entre diferentes histórias para além de seus próprios territórios regionais, nacionais e continentais, é importante levar em consideração que cada espaço e contexto possui passados e processos extremamente distintos uns dos outros, estabelecendo diferentes relações políticas, sociais e culturais.[2]

A história conectada é uma abordagem para a pesquisa histórica que estuda as diversas culturas,[3] bem como a dinâmica de circulação (de pessoas, de ideias, de técnicas e recursos) e mistura, com base em uma literatura em línguas vernáculas não euro-centradas. Neste sentido, a história conectada estuda as conexões reais, os contatos entre as comunidades, que inicialmente se opuseram geograficamente. Assim, pretende-se produzir uma "contra-narrativa" em relação a uma história eurocêntrica. Esta "contra-narrativa" fornece uma nova compreensão das percepções locais e das pluralidades históricas do "momento colonial das sociedades não-europeias".[3]

História conectada é, portanto, o estudo de interações múltiplas realizadas através do vai-e-vem entre as diferentes escalas de análise e por um descentramento do olhar. Estas variações de escalas revelam a totalidade do intercâmbio entre as instâncias estudadas e permitem uma análise dos grandes movimentos.[4] No entanto, a história conectada se concentra no estudo dessas interações em um momento específico e não a longo prazo. Esse tipo de história é, portanto, menos pertinente para o estudo das mudanças de longa duração e das evoluções dessas conexões.[5]

As duas noções essenciais de história conectada são: reciprocidade e hibridização (ou mistura). A história conectada busca entender como cada comunidade vive uma com a outra. Como resultado, sua metodologia permite criticar os preconceitos etnocêntricos de outras abordagens históricas.[6] Por sua natureza transnacional, a história conectada diz respeito às circulações, sejam elas relativas a homens ou objetos, seja a processos criativos que atuam sobre sociedades. Ela quer superar a compartimentalização nacional civilizacional para mostrar os modos de interação "entre o local e o regional e o supra-regional".[7]

Em conclusão, a história conectada estuda os problemas relacionados a vários contextos geográficos e culturais, tais como as migrações populacionais.[8]

A diferença entre história conectada e história global é que a história conectada é primariamente uma abordagem metodológica antes de ser uma teoria da história.[6]

A história global, a história de globalização das sociedades, nasceu nos Estados Unidos, que engloba várias abordagens e supõe uma grande mobilização de conhecimentos e materiais, bem como um descentramento do olhar. Ela é global por seu objeto de estudo e "por sua recusa de fragmentação historiográfica e compartimentalização disciplinar".[9]

Comparação com a história transnacional

A história conectada é um dos ramos da história transnacional, outra perspectiva centrada em um objeto de estudo histórico. Encontra-se mais na Europa porque deriva seu objeto da história das organizações internacionais. A história transnacional também está interessada nas interações e interdependências das sociedades modernas e contemporâneas, de acordo com o eixo da globalização. Centra-se no movimento de pessoas, capital e bens e requer amplo conhecimento de várias línguas, a fim de obter acesso a fontes que permitam nova iluminação interpretativa.[10]

Comparação com a história comparada

A história conectada surgiu em resposta à metodologia da história comparada.[1] Limita-se a analisar as diferenças e semelhanças entre dois grupos culturais distintos ou comunidades sem se preocupar com as relações entre esses grupos. Assim, ao contrário da história comparada, a história conectada não negligencia circulações e contatos de formas culturais.[6]

Comparação com a história cruzada

Assim como a história cruzada, a história conectada dá um lugar importante para o descentramento do olhar. A história cruzada é uma história conectada que dá mais valor ao estudo das transferências entre diferentes áreas culturais.[11] A história cruzada pertence assim à mesma família das abordagens relacionais e "relaciona, muitas vezes em uma escala nacional, formações sociais, culturais e políticas, as quais se supõe que mantêm relações".[12]

  • História comparada
  • História do tempo presente
  • Historiografia

  1. a b Subrahmanyam 2005, p. 1.
  2. Hartog & 2013 p.178.
  3. a b Bertrand 2007, pp. 69-89.
  4. Minard 2013, pp. 20-30.
  5. Norel 2014.
  6. a b c Zugina 2007, p. 62.
  7. Minard 2013, p. 27.
  8. Subrahmanyam 2012, p. 19.
  9. Minard 2013, p. 22.
  10. Université de Genève 2017.
  11. Testo 2008, p. 15.
  12. Werner & Zimmermann 2003, p. 8.

  • Subrahmanyam, Sanjay (2005). Explorations in Connected History. From the Tagus to the Ganges. Oxford: Oxford University Press. 
  • Subrahmanyam, Sanjay (2012). Vasco de Gama. Légende et tribulations du vice-roi des Indes. Paris: Alma Publisher 
  • Testo, Lawrence (2008). Histoire globale. Un autre regard sur le monde. Auxerre: Sciences humaines éditions 
  • Bertrand, Romain (2007). «Rencontres impériales. L'histoire connectée et les relations euro-asiatiques.». Revue d'histoire moderne et contemporaine. 5 (54-4bis) 
  • Hartog, François (2013). «Experiência do tempo: da história universal à história global» (PDF). História, Histórias. 1 (1): 164-179 
  • Minard, Philippe (2013). «Globale, connectée ou transnationale : les échelles de l'histoire». Spirits. 12 
  • Werner, Michael; Zimmermann, Bénédicte (2003). «Penser l'histoire croisée : entre empirie et réflexivité.». Annales. Histoire, Sciences sociales. 
  • Zugina, Jean-Paul (2007). «L'Histoire impériale à l'heure de l'"histoire globale". Une perspective atlantique.». Journal of Modern and Contemporary History. 5 (54-4bis) 
  • Norel, Philippe (2014). «Le livre de la mondialisation ibérique.». Blog Histoire Globale. Consultado em 13 de setembro de 2018. Cópia arquivada em 13 de janeiro de 2018 
  • Université de Genève. (2017). «Histoire transnationale.». Site Oficial da Universidade. Consultado em 13 de setembro de 2018. Cópia arquivada em 31 de janeiro de 2018 

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