Qual a importância dos quilombos para os escravos

 O quilombo ou mocambo é o nome que se dá às comunidades formadas majoritariamente por remanescentes de fugitivos da escravidão no Brasil e que remontam ao Período Colonial. Era também uma das formas de resistência ao sistema escravocrata que essas populações encontraram, muitas vezes após fugas individuais e coletivas de senzalas e plantações. Mesmo após abolição da escravidão, em 1888, essas comunidades continuaram a existir e foram, por muito tempo, totalmente negligenciadas e esquecidas pelo poder público.

O nome quilombo passou a ser mais utilizado a partir da segunda metade do século XVII, no Brasil, sobretudo com o surgimento do Quilombo dos Palmares, na então região da Capitania de Pernambuco. Hoje essas comunidades são parte fundamental da História do Brasil e representam um de seus maiores símbolos de resistência.

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Como surgiram os quilombos?

Por meio do tráfico negreiro, milhares de homens e mulheres chegaram ao então Brasil Colônia de diversos lugares distintos do continente africano. Muitos deles, inclusive, já eram escravizados na própria África. Essas pessoas trouxeram para o continente americano uma série de conhecimentos sobre mineração, plantação, construção, metalurgia, além de hábitos, idiomas, entre inúmeras outras contribuições, sendo, portanto, fundamentais para o desenvolvimento do Brasil durante o Período Colonial.

Diante da realidade a que eram submetidos aqui no Brasil, muitos se revoltaram, provocando insurreições, rebeliões e, também, fugas, que aconteciam coletiva ou individualmente. Dessas fugas, originaram-se diversos tipos de comunidades, algumas temporárias, outras permanentes. Essas comunidades passaram a ser chamadas, primeiramente, de mocambos e, depois, de quilombos.

“Escravidão no Brasil”, quadro pintado por Jean-Baptiste Debret. Muitos escravos revoltavam-se e fugiam de fazendas e senzalas, o que acabou por formar os quilombos.

Ambas as expressões eram termos oriundos da África Central para designar acampamentos improvisados durante períodos de guerra ou captura de escravos. Mocambo teria vindo dos idiomas kimbundu e kicongo e fazia referência a estruturas utilizadas para a construção de cabanas. Já a palavra quilombo, originária de idiomas da família bandu, além de fazer referência aos acampamentos, também era associada a guerreiros imbangalas, e só começou a aparecer nos documentos históricos do período colonial no final do século XVII.

O surgimento dessas comunidades ocorreu, primeiramente, na região do Nordeste do país, no contexto da implementação do sistema de plantation, durante o início do Ciclo do Açúcar, em meados do século XVI. Vale lembrar que o Brasil recebeu, entre os séculos XVI e XIX, cerca de 4,9 milhões de africanos escravizados, sendo o maior destino do tráfico negreiro no continente americano.

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Existiam diversos tipos de quilombos. Essa variedade dependia muito de fatores culturais, demográficos e geográficos de cada um deles. Embora houvesse uma predominância de escravos que fugiam de plantações e senzalas, oriundos de diversas etnias diferentes, os quilombos também eram formados por indígenas, mestiços, entre outros que se acolhiam nessas estruturas.

Para sobreviverem, muitos desses quilombos mantinham relações econômicas com diversos setores da sociedade colonial, como lavradores, pescadores, garimpeiros, camponeses, mascates, etc., além de realizarem diversos tipos de atividades, como plantações, garimpo, produção de farinha de mandioca, além de saqueamentos em fazendas.

Fotografia recente de uma comunidade quilombola no Espírito Santo, Brasil.

Sobre a vida dentro dos quilombos, não existem muitas fontes que possam indicar um padrão existente na formação dessas estruturas ou características recorrentes. Tudo isso dependia muito da região em que cada um deles se instalava, dos grupos sociais que os compunham, entre outros fatores. O importante de se destacar é que, embora houvesse uma historiografia tradicional que apontava um certo “isolamento” dos quilombolas do restante da sociedade colonial, não é isso que estudos recentes têm apontado, indicando, inclusive, uma intensa relação sociocultural e econômica entre eles.

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Exemplos de quilombos

Os quilombos espalharam-se em diversas regiões durante o Período Colonial, incluindo Bahia, Maranhão, Pernambuco, Goiás, Paraíba, São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio de Janeiro e a região amazônica, ou seja, cobriam uma extensa parte do território brasileiro daquele período.

Entre tantos quilombos, o Quilombo dos Palmares foi um dos que ficaram mais conhecidos na historiografia sobre o tema, tendo surgido já na segunda metade do século XVII, na Serra da Barriga, localizada na então Capitania de Pernambuco. Resistiu por quase um século, com uma estimativa de 30 mil habitantes. Nele se destacaram nomes como o casal Zumbi dos Palmares, líder do quilombo, e Dandara, que era uma importante guerreira.

Zumbi dos Palmares, líder de um dos principais quilombos da História do Brasil, acabou transformando-se em um símbolo de resistência.

Outros quilombos que se destacaram foram: o Quilombo do Campo Grande, que foi uma espécie de confederação de quilombos, do qual fazia parte o Quilombo do Ambrósio, ambos na região da Capitania de Minas Gerais; a Comunidade Quilombola do Caxambu, também em Minas Gerais; o Quilombo Ivaporunduva, em São Paulo; o Quilombo de Rio das Rãs, na Bahia; e, também, o Quilombo dos Kalungas, o maior remanescente quilombola – ou seja, existe ainda nos dias de hoje –, e localiza-se nas regiões de Monte Alegre de Goiás e Cavalcante (GO). 

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Os escravizados africanos da América Portuguesa (século XV-XIX) sofriam maus tratos nas mãos de seus senhores e viviam em péssimas condições. Porém eram antes de escravizados, humanos, e suas vontades foram demonstradas das mais variadas formas, pois ser escravo naquele período era sobretudo resistir. Da melancolia ao assassinato dos seus senhores, do controle da natalidade às fugas, essas formas de resistências pacíficas ou agressivas revelavam que os escravizados povoaram o seu cotidiano de táticas que visavam a sua sobrevivência. As fugas poderiam ser individuais ou em massa e deram origem aos mocambos ou quilombos.

O termo “mocambo” significa “esconderijo”, já o termo “quilombo” é originário da língua banto, kilombo, e significa povoação ou fortaleza. No continente africano, mais precisamente em Angola, os quilombos eram fortificações onde os guerreiros passavam por rituais de iniciação para o combate e a magia. Porém o termo no período Colonial significou muito mais que o sentindo dado pela língua africana, pois a palavra se generalizou com o conhecimento do Quilombo dos Palmares (1597-1694), significando um espaço de resistência, luta e liberdade para os africanos e afrodescendentes.

A formação dos quilombos no período se constitui para além do sentindo de refúgio improvisado dos ex-escravos. Os quilombos tornaram-se uma nova possibilidade de vivencia na ordem escravista, pois conciliavam dentro de um novo espaço político resistência e negociação, rejeição e convivência, sendo assim, perigoso aos olhos dos senhores. Os quilombos não eram lugares isolados da sociedade colonial, pois mantinham vínculos com os mais diversos setores tais como: relações comerciais; redes para obtenção de informações; laços afetivos e amorosos. Como podermos perceber os quilombos se situavam nas periferias urbanas e rurais estabelecendo contatos que garantiam a sua sobrevivência e manutenção de suas estruturas. Os principais alimentos cultivados pelas populações dos quilombos eram milho, mandioca, feijão, fumo, batata-doce, e mantinham também a criação de galinhas, graças às trocas com os que viviam no entorno. Havia também quilombos que atacavam cidades, fazendas e viajantes nas estradas, a fim de conseguir animais de corte entre outros proventos. A dinâmica de trocas estabelecida contava com vários personagens que tinham seus interesses, seja por lucro ou por lealdade. Entre eles figuravam os contrabandistas, que negociavam produtos; os escravos que permaneciam nas fazendas e passavam informações entre os quilombos; os mascates que vendiam pólvora, aguardente, sal, roupas e compravam aquilo que os quilombolas saqueavam. As forças armadas da colônia não deixavam essas ações impunemente, e os quilombos sofriam inúmeros ataques, como foi o caso da Guerra dos Palmares.

Em todo território houve a presença de quilombos, e cada um tem a sua própria história. O mais famoso deles era o de Palmares. Este quilombo foi formado por escravizados de uma fazenda de açúcar em Pernambuco, que subiram a serra da Barriga, já no estado atual de Alagoas, por volta de 1597. Seu nome vem das palmeiras abundantes na região, que usavam para construir suas casas e extrair o palmito. Os primeiros habitantes eram provenientes das regiões onde hoje ficam Angola e Congo, porém ao longo dos anos formaram uma nação multiétnica que contava com indígenas e europeus. No auge Palmares chegou a abrigar 20 mil habitantes, fato que chamou a atenção das autoridades coloniais que submeteu a vários ataques, gerando a Guerra dos Palmares, que foi liderada por Zumbi dos Palmares contra as autoridades coloniais até 1694 quando foram derrotados após resistir a 42 dias de sítio. Os quilombos são símbolos até hoje nas lutas por inclusão social dos negros no Brasil, pois mostra que os africanos foram vítimas de um sistema escravista mas não se acomodaram ao regime imposto, pelo contrário, lutaram por sua liberdade.

Referência bibliográfica:

SCHWARCZ, Lilia & STARLING, Heloisa. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

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