As abelhas sempre estiveram entre os insetos preferidos de quem é chegado numa utopia, independente da orientação política. Ideólogos de esquerda e de direita costumavam louvar com o mesmo entusiasmo a sociedade “perfeita” dos bichinhos: por que nós, humanos briguentos e individualistas, não conseguimos seguir o exemplo delas? A razão é muito simples, argumenta um biólogo alemão num novo e fascinante livro: uma colméia é muito mais que uma sociedade perfeita. Na verdade, é um superorganismo, como se as abelhas fossem um mamífero “distribuído” em muitos corpos diferentes trabalhando juntos. Sem que haja um centro de comando claro, elas conseguem um grau de organização e complexidade que, em certos aspectos, rivaliza ou até ultrapassa o da nossa espécie.
Quer exemplos? Pois esses insetos sociais parecem ter “inventado” o saneamento básico, as creches, o aquecimento central e o ar-condicionado, só para dar alguns exemplos, dezenas de milhões de anos antes que o primeiro macaco se dignasse a andar com duas pernas. As descobertas mais recentes sobre essas e outras façanhas dos bichinhos estão em “The Buzz about Bees – Biology of a Superorganism” (algo como “O quente sobre as abelhas – A biologia de um superorganismo”), de Jürgen Tautz, pesquisador da Universidade de Würzburg. Com a ajuda de fotos espetaculares de abelhas domésticas (ou Apis mellifera, como se diz em latim científico) em ação, o texto de Tautz explica que comparar as colméias a cidades, apesar de tentador, não é lá muito correto.
Foto: H.R. Heilmann/Divulgação Por outro lado, as rainhas continuam a produzir mais filhas “à moda antiga”, por meio do sexo com zangões, o que garante a mistura de genes que é uma das grandes vantagens da reprodução sexuada. “As abelhas conseguiram uma vantagem [a ‘imortalidade’ das colméias] sem abrir mão da outra, reproduzindo a colônia inteira por divisão simples, por meio dos enxames, e simultaneamente criando indivíduos reprodutivos cujo tempo de geração é sincronizado com o ciclo dessa divisão”, resume Tautz. Pergunta que não quer calar Um mistério que nem cientistas nem criadores de abelhas ainda conseguiram responder é por que diabos a segunda metade desse ciclo de vida maluco surgiu. É meio estranho a multidão de operárias abrir mão de ter seus próprios bebês e passar seus genes adiante, deixando a rainha com esse privilégio. A explicação que normalmente é proposta tem a ver com a chamada seleção de parentesco – ou seja, com o fato de que os parentes de um indivíduo sempre carregam uma fração significativa dos seus próprios genes, e favorecê-los equivale a favorecer a si mesmo.
Foto: H.R. Heilmann/Divulgação “Acho que esse é um daqueles casos citados por T.H. Huxley [paleontólogo do século 19 que foi um dos grandes defensores de Darwin]. Ele costumava dizer que a maior tragédia da ciência é o assassinato de uma bonita hipótese por um fato feio”, brinca Tautz. O biólogo alemão especula que as outras vantagens da vida na colméia acabam compensando o parentesco relativamente baixo entre as operárias. Tecnologia avançada Sexo maluco à parte, a organização da colméia tem outras vantagens. A começar pelo ar-condicionado: uma das principais funções das operárias é manter estável a temperatura das larvas, suas irmãzinhas em desenvolvimento, por volta dos 36 graus Celsius. Para aquecer o ninho, as abelhas se deitam em cima dos favos em forma de héxagono, ou então entram num deles, e vibram rapidamente os músculos das asas, até esquentar os “bebês”; o corpo de outras abelhas, que esperam sua vez de atuar como condicionador de ar vivo, ajuda no isolamento térmico. Se a coisa esquenta demais, outras abelhas espalham gotículas de água pelo recinto e espalham o vapor resultante batendo as asas. Leia mais notícias de Ciência e Saúde
À simples vista as abelhas e os seres humanos não têm muito em comum, mas um estudo publicado nesta quinta-feira na revista ‘Science’ indica que, tal qual o Homo sapiens, estes insetos também têm personalidade. De acordo com a pesquisa, há abelhas exploradoras e de comportamento mais ousado, enquanto outras optam por atividades mais cautelosas e uma vida ‘caseira’. “As abelhas têm distintas funções na colônia”, explicou Silvia Rodríguez Zás, uma pesquisadora graduada da Faculdade de Agronomia da Universidade do Uruguai e que trabalha agora na Universidade de Illinois (EUA). “Algumas ficam dentro da colmeia e cuidam dos filhotes, enquanto outras saem para conseguir comida.” O estudo das abelhas e suas possíveis implicações para entender o comportamento de mamíferos, e até o dos humanos, é interessante porque esses são insetos sociais, que vivem em comunidades altamente organizadas. Durante os experimentos, os pesquisadores instalaram as fontes de alimento das abelhas em uma grande área protegida e observaram quais saíam para explorar em busca por mais comida. Os cientistas depois compararam a expressão genética cerebral das abelhas aventureiras com a daquelas que ficaram próximas a seus ninhos. “Ficamos focados em determinar os genes e a base molecular que motivam estas abelhas a um comportamento explorador, algo que nos humanos é conhecido como o comportamento em busca de novidade”, disse Silvia. A partir da observação das abelhas exploradoras, os cientistas descobriram que as mesmas que buscaram o lugar para a nova colmeia e levaram para lá um grupo de abelhas da colônia antiga são as que passam a procurar comida. “Levam em seus genes essa ‘inquietação'”, comentou a pesquisadora. “Primeiro, saem em busca de um lugar; depois, de comida.” Genética – “Há uns 1 mil genes, 15% do total, que se expressam mais nas abelhas exploradoras que nas não exploradoras. São genes com função associada à comunicação, e essas diferenças se expressam na dopamina, na octopamina, no glutamato e no ácido gama-aminobutírico”, continuou Silvia. “Nos seres humanos, essas moléculas se relacionam com a sensação de satisfação e também com a dependência”, explicou a pesquisadora. “Os seres humanos que têm tendência a buscar atividades inovadoras também têm um maior risco de desenvolver a dependência.” Em outras fases do estudo, os cientistas acrescentaram doses maiores de octopamina e glutamato na dieta das abelhas exploradoras, e o resultado foi que exploravam ainda mais. “Por outro lado, a adição de agentes bloqueadores em sua dieta lhes inibiu a vontade de explorar, e as abelhas normais, as que não tendem a explorar, exploraram ainda menos”, assinalou Silvia. (com Agência EFE) |