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ArtCultura Uberlândia, v. 22, n. 41, p. 148-163, jul.-dez. 2020 148

O cangaço e a literatura

popular em versos:

a tradição na pós-modernidade

Antônio Fernando de Araújo Sá

Doutor em História pela Universidade Federal de Brasília

(UnB). Professor do Departamento de História e do Programa

de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Ser-

gipe (UFS). Autor, entre outros livros, de Entre sertões e represen-

tações: ensaios e estudos. São Paulo: Liber Ars, 2020.

Capa do folheto O cangaceiro

do futuro e o jumento espacial,

de Klévisson Vianna, 2008,

fotografia (detalhe).

ArtCultura Uberlândia, v. 22, n. 41, p. 148-163, jul.-dez. 2020 149

O cangaço e a literatura popular em versos: a tradição na pós-

modernidade1

Cangaço and popular literature in verses: post-modernity tradition

Antônio Fernando de Araújo Sá

RESUMO

Ao analisar as representações do can-

gaço na literatura de folhetos, este ar-

tigo lança-se ao desafio de estabelecer

um diálogo entre tradição e pós-

modernidade, com o objetivo de rom-

per com certa leitura arcaica ou quase

medieval dessa produção literária.

Como arena de consentimento e resis-

tência, os folhetos foram forjados em

consonância com determinada ideia

essencialista de cultura popular, mol-

dada no final do século XIX e primeira

metade do século XX, formadora de

um imaginário-base, reinventado na

segunda metade do século XX e início

do XXI. Ao contrário daquela leitura

arcaizante, abordamos a capacidade

de renovação e permanente absorção

de narrativas, de linguagens, de ima-

ginários, especialmente com relação à

cultura de massa e das tecnologias di-

gitais, reveladora dos processos de re-

sistência, mas também de conformis-

mo, das culturas populares no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: literatura popular

em versos; cangaço; representação.

ABSTRACT

By analyzing the representations of

cangaço in the literature of leaflets, this

article takes on the challenge of establish-

ing a dialogue between tradition and

postmodernity, with the aim of breaking

with a certain primitive or almost medie-

val reading of this literary production. As

an arena of consent and resistance, the

leaflets were forged in line with a certain

essentialist idea of popular culture,

shaped in the late 19th and first half of

the 20th century, forming an base imagi-

nary, reinvented in the second half of the

20th century and beginning of the 21st.

Contrary to that primitive reading, we

approached the capacity for renewal and

permanent absorption of narratives, lan-

guages, imaginary, especially in relation

to mass culture and digital technologies,

revealing the processes of resistance, but

also of conformism, of popular cultures in

Brazil.

KEYWORDS: popular literature in verses;

camgaço; representation.

1 Texto revisto e ampliado de intervenção na mesa-redonda As pesquisas e o registro da cultura popular, do

XLIV Simpósio do Encontro Cultural de Laranjeiras (10-12 jan. 2019), com participação dos pesquisadores

Eliene Benício (UFBA) e Gutemberg Costa (IHGRN). Agradeço a gentileza do convite por parte da

Secretaria de Estado da Cultura de Sergipe.

ArtCultura Uberlândia, v. 22, n. 41, p. 148-163, jul.-dez. 2020 150

Era brabo, era malvado,

Virgulino, o Lampião,

Mas era, pra que negá,

Nas fibras do coração

O mais perfeito retrato

Das caatingas do sertão.

Zabelê

Para refletirmos sobre a cultura popular em seu diálogo, nem sempre

cordial, com a contemporaneidade, optamos por analisar as representações do

cangaço na literatura popular em versos, tomando-a como expressão lírica dos

poetas populares sobre a história do Brasil. Em meio aos labirintos da imagi-

nação e da inventividade dessa produção literária, lançamo-nos ao desafio de

estabelecer um diálogo entre tradição e pós-modernidade, na busca por rom-

per com certa leitura arcaica ou quase medieval da literatura de cordel, inse-

rindo-a na cultura no Brasil como tradução da “capacidade do povo brasileiro

de se adaptar à novidade e integrá-la no seu cotidiano”.2

Como veremos, as relações entre o cangaço e a literatura popular de

versos, de um modo geral, concentravam-se na sua presença folclórica, mas,

aos poucos, o campo mais amplo da cultura popular tornou-se o eixo nortea-

dor das reflexões mais recentes, inserido na correlação de forças das relações

de poder e de dominação culturais, isto é, como “arena do consentimento e da

resistência”.3 Como apontou Marilena Chaui, essa dupla dimensão de con-

formismo e resistência possibilita categorizar a cultura popular como um

conjunto disperso de práticas, representações e formas de consciência que possuem

lógica própria (o jogo interno do conformismo, do inconformismo e da resistência),

distinguindo-se da cultura dominante exatamente por essa lógica de práticas, repre-

sentações e formas de consciência”.4

Dentre as possibilidades de análise dessas relações, relacionaremos o

fenômeno do cangaço com a emergência da ideia de cultura popular, constru-

ída por folcloristas e pesquisadores entre o final do século XIX e primeira me-

tade do século XX, quando há a transformação de determinadas formas e ma-

térias de expressão cultural em ícones de uma dada identidade regional nor-

destina, “como sendo a verdade e a essência destas manifestações culturais”.5

A necessária desconstrução dessa ideia essencialista da identidade, de

não tomarmos o folclore ou a cultura popular como uma realidade em si, evi-

dencia que esses “conceitos [...] recortam, promovem escolhas, dão visibilida-

2 SANTOS, Idelette Muzart-Fonseca dos. Narrativa e imaginário na literatura de cordel brasileira: o

cruzamento de linguagens e das modernidades. In: NEMER, Sylvia (org.). Recortes contemporâneos sobre o

cordel. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2008, p. 18.

3 HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003, p. 263.

4 CHAUI, Marilena. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. São Paulo: Brasiliense,

1986, p. 25.

5 ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz de. A feira de mitos: a fabricação do folclore e da cultura popular

(Nordeste 1920-1950). São Paulo: Intermeios, 2013, p. 23.

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de e produzem o esquecimento de parte da vasta produção de matérias e for-

mas de expressão feita por agentes das camadas populares”.6

Por isso, entendemos o campo da cultura como um território de bata-

lha permanente, onde não se obtêm vitórias definitivas, mas sempre posi-

ções estratégicas a serem conquistadas ou perdidas, num jogo de poder que

define “as relações estratégicas, as lutas, os afrontamentos, as alianças, as ade-

sões e as subordinações que estão na base da produção desses conceitos e das

identidades culturais que eles constituem”.7

Nesse período de passagem do século XIX para o século XX, as modifi-

cações nas formas de percepção e sensibilidades sociais, traduzidas no anseio

de mudanças de ordem política, social e cultural, incidiram na busca da iden-

tidade nacional, especialmente na trama que envolvia as relações entre as eli-

tes culturais e as massas analfabetas. A luta pela instrução básica, desencade-

ada, sucessivamente, ao longo da Primeira República e defendida por escrito-

res como Olavo Bilac e Coelho Neto, apresentava-se como uma plataforma de

uma campanha mais ampla e de propósitos mais profundos, visando, em úl-

tima instância, à redenção das camadas populares de sua condição de indi-

gência social. Esse "missionarismo cultural" baseava-se na propaganda heroica

e solitária de extirpar o analfabetismo e conduzir o Brasil às sendas do "pro-

gresso e da civilização". Apesar da diversidade literária da Belle époque brasi-

leira, a tarefa missionária de testemunhar o país conduziu a literatura a um

apego à estética instrumental, que se prestava a veiculação de seus ideais soci-

ais e a divulgação profusa de seus projetos de modernização do Brasil, num

anseio paternalista, de fundo autoritário, do desejo de exercer tutela por parte

dos intelectuais.8

É nessa perspectiva que a chamada Geração de 1870 se debruçou sobre

a questão de definir o Brasil, a partir de um duplo esforço de identificação: “ao

mesmo tempo que absorviam e reelaboravam as matrizes teóricas do pensa-

mento europeu, procuravam, de um lado, encontrar a expressão genuína de

uma possível cultura brasileira – o ‘verdadeiro Brasil’ – e, de outro, apontar os

obstáculos que impediam a realização do país enquanto nação”.9

Sob a influência do modelo naturalista e evolucionista de Hippolyte

Taine e de Herbert Spencer, pautado das noções de raça e natureza, o sertão se

transformou em categoria fundamental para se pensar o Brasil.10 Intelectuais

como João Capistrano de Abreu e Euclides da Cunha, entre outros, contribuí-

ram para a articulação do sertão/nação na história intelectual no Brasil. Para o

primeiro, o sertão foi pensado “enquanto afastamento de Portugal, ruptura

com os laços metropolitanos”11, deixando para trás o litoral como locus privi-

legiado da história colonial e transformando o sertão e o traçado dos caminhos

6 Idem, ibidem, p. 177.

7 Idem, ibidem, p. 178.

8 Ver SEVCENKO, Nicolau. O fardo do homem culto: literatura e analfabetismo no prelúdio republicano.

Almanaque: Cadernos de Literatura e Ensaio, n. 14, São Paulo, 1982.

9 MOTA, Maria Aparecida Rezende. Sílvio Romero: dilemas e combates no Brasil da virada do século XX. Rio

de Janeiro: Editora FGV, 2000, p. 28.

10 Ver VENTURA, Roberto. Estilo tropical: história cultural e polêmicas literárias no Brasil (1870-1914). São

Paulo: Companhia das Letras, 1991, p.18.

11 SOUZA, Candice Vidal e. A pátria geográfica: sertão e litoral no pensamento social brasileiro. Goiânia:

Editora UFG, 1997, p. 54.

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antigos ligados ao povoamento do interior em centro da narrativa da nação

brasileira.12 Para o segundo, a Guerra de Canudos trouxe “a questão de como

entender o povo pobre do interior e das cidades”, colocando-a em um “lugar

fundamental no pensamento nacional”.13

Compartilhando desses preceitos, Sílvio Romero empreendeu, com Es-

tudos sobre a poesia popular no Brasil (1888), a aplicação das teses de J. G. Herder

e H. Spencer às manifestações culturais populares, tomando como base o fol-

clore rural. Sob a influência do primeiro, Romero afirmava a existência de

uma “uniformidade na cultura, apesar das peculiaridades de cada região do

Brasil, acentuadas pela diversidade econômica”. Para ele, a existência de uma

poesia popular brasileira era a prova desse pertencimento e nos individuali-

zava perante as outras nações. Desse modo, os cantos e contos de origem por-

tuguesa, africana ou indígena se constituíam em uma unidade poética “genui-

namente nacional”, fruto da mestiçagem como fusão e transformação.14

Sílvio Romero dedicou-se a desvendar a “psicologia do homem brasi-

leiro” pelas lentes do folclorismo, mostrando a rica cultura popular brasileira,

por meio de uma seleção de materiais populares considerados “autênticos”,

como poemas, formas musicais, danças, lendas e narrativas. Nesse processo,

que vai do início da República até 1920, “cresceu entre os intelectuais a valori-

zação do folclore rural juntamente com a busca (um tanto esquemática) por

identificar os ‘tipos populares brasileiros autênticos’”.15

Em Cantos populares do Brasil, Sílvio Romero registrou, em versão ser-

gipana, as aventuras do mais famoso bandido da Bahia entre 1835 e 1849: Lu-

cas da Feira. Antes de Antônio Silvino e Lampião, esse bandoleiro foi tema do

romanceiro popular, principalmente nos famosos ABCs. Na versão utilizada

por Romero, temos o registro da traição realizada por um companheiro salte-

ador Casumbá, que o feriu, possibilitando sua prisão e posterior enforcamen-

to. Apesar de Luís da Câmara Cascudo considerar a versão de Silvio Romero

deturpada, encontramos nela o processo de diabolização do bandido que re-

percutirá, posteriormente, na caracterização da figura de Lampião na literatu-

ra de folhetos:

Quando na Bahia entrei

Vi muita cara faceira;

Brancos e pretos gritando:

– Lá vem o Lucas da Feira!

Quando eu no Rio entrei

Caiu-me a cara no chão;

A rainha veio dizendo:

– Lá vem a cara do cão.16

12 Ver FALCON, Francisco José Calasans. O Brasil de Capistrano de Abreu: características de sua produção

historiográfica. Trajetos: Revista de História UFC, v. 3, n. 5, Fortaleza, 2004 (Dossiê Capistrano de Abreu).

13 WEFFORT, Francisco Correa. As escritas de Deus e as profanas: notas para uma história das ideias no

Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 20, n. 57, São Paulo, 2005, p. 22.

14 Ver MOTA, Maria Aparecida Rezende, op. cit., p. 89 e 91.

15 NAPOLITANO, Marcos. História do Brasil República: da queda da Monarquia ao fim do Estado Novo. São

Paulo: Contexto, 2016, p. 61.

16 Apud ROMERO, Silvio. Folclore brasileiro: cantos populares do Brasil. Belo Horizonte-São Paulo:

Itatiaia/Edusp, 1985, p. 116.

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Na Bahia, a poesia narrativa adquiriu a forma de ABC, retratando os

fatos cotidianos para serem consumidos em bancas situadas em feiras e mer-

cados das cidades. No caso de Lucas de Feira, sua fixação memorial nos ser-

tões baianos como memória de resistência e rebeldia escrava contribuiu para a

construção de uma tradição de heróis negros que teve, entre seus divulgado-

res, a literatura de Jorge Amado. José Calasans identificou a ambição em seus

personagens de serem cantados nos versos de um ABC, como o negro Antônio

Balduíno, em Jubiabá. Segundo o pesquisador, esse popularíssimo ABC de

Lucas da Feira se constituiu na principal peça folclórica do folclore histórico

do recôncavo.17

Ainda que as manifestações culturais populares se tornassem tema de

alguns dos principais intelectuais da Belle époque tropical, a predominância da

cultura letrada encobria a silenciosa cultura das classes subalternas, como é o

caso da literatura popular. Mesmo sem “dominar os códigos de escrita e, a

meio caminho da oralidade e da música, toda literatura popular, originalmen-

te surgida como folhas volantes, ou folhetos (pliegos sueltos), ou folhas dobra-

das, foi se transmutando, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste, em brochu-

ras chamadas cordéisanunciadas em pregões e por cantadores em feiras e

nas ruas das cidades”.18

O advento do folheto no Brasil no final do século XIX foi um modo efi-

caz de fixação e preservação das narrativas orais oriundas do período colonial,

tornando-se um meio de lazer e literatura dos pobres nas populações rurais e

urbanas das cidades nordestinas. Frise-se que os poetas se serviram do notici-

ário jornalístico para escrever seus versos. Entretanto, “os poemas de época

não se confundem com o relato jornalístico dos acontecimentos”, pois as notí-

cias eram transmitidas “através de uma outra linguagem”.19

Os folhetos traziam a realidade imediata e o tema do cangaço adquiri-

ria relevância no imaginário popular brasileiro.20 Como apontou Daus, o ciclo

de cangaceiros exerceu tamanha influência nos leitores do sertão como ne-

nhum outro ciclo de poesia popular, o que possibilita nos informar “sobre a

estrutura psicológica do comportamento dos sertanejos” e “sobre desejos e

frustrações da esmagadora maioria da população do Nordeste brasileiro”.21

A migração de nordestinos para os grandes centros urbanos, especial-

mente a partir dos anos 1940, trouxe novas modalizações desse suporte da

memória produzida pelos folhetos de cordel sobre o cangaço, colocando ques-

tões relevantes para o debate entre a tradição e a modernidade na cultura po-

pular no Brasil contemporâneo. Como sabemos, a memória social engloba um

vasto repositório de informação em que assenta o viver social, gerada, trans-

mitida e adquirida através da dimensão performativa da existência da socie-

17 Cf. CALASANS, José. O folclore histórico do recôncavo da Bahia. Revista de Cultura da Bahia, n. 3,

Salvador, jul.-dez. 1971.

18 SALIBA, Elias Thomé. Cultura. In: SCHWARCZ, Lilia M. (coord.). História do Brasil nação: a abertura para

o mundo (1889-1930). São Paulo: Objetiva/Fundación MAPFRE, 2012, v. 3, p. 264.

19 TERRA, Ruth Brito Lêmos. Memória de lutas: literatura de folhetos do Nordeste (1893-1930). São Paulo:

Global, 1983, p. 72.

20 Ver SANTOS, Olga de Jesus & VIANNA, Marilena. O negro na literatura de cordel. Rio de Janeiro:

Fundação Casa de Rui Barbosa, 1989, p. 14.

21 DAUS, Donald. O ciclo épico dos cangaceiros na poesia popular do nordeste. Rio de Janeiro: Fundação Casa de

Rui Barbosa, 1982, p. 21.

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dade. Ao mesmo tempo em que é concretizada ao nível das relações familia-

res, nos gestos desempenhados no cotidiano, nos hábitos enraizados, a memó-

ria social estabelece uma complexa mistura de supressão e de recriação do

passado, permitindo, apesar do seu caráter fundamentalmente transformati-

vo, conservar o essencial da recordação sobre o passado.22

Nessa perspectiva, a produção de folhetos editados nas primeiras dé-

cadas do século XX, constantemente reimpressos, pode ser considerada como

“matrizes geradoras de novas narrativas”, como uma espécie de “imaginário

base”, que, aceitas pelo público, “incorporam-se ao ‘corpus’ inicial”.23

O cangaço na moderna tradição do cordel

Para compreendermos uma das possíveis reelaborações desse “imagi-

nário base”, em que sobressai a presença do cangaço nos folhetos de cordel,

seguiremos a proposta de Peter Burke de dividi-la em dois momentos. Um

primeiro momento é marcado pelo mundo do folheto tradicional, tão bem

representado pelos poetas Leandro Gomes de Barros (1865-1918), Francisco

das Chagas Batista (1882-1930) e João Martins de Atayde (1880-1959), seguido,

nas últimas cinco décadas, por um processo de modernização, marcadamente

profissional e centralizado em São Paulo pela editora Prelúdio/Luzeiro.24

Nos idos de 1893, “o poeta Leandro Gomes de Barros passa a publicar

seus poemas em folhetos”, iniciando-se “a literatura popular impressa do

Nordeste. Outros o seguirão: Francisco das Chagas Batista, que começa a pu-

blicar em 1902, e João Martins de Athayde, em 1908”.25 Apesar de herdarem a

literatura oral das cantorias da segunda metade do século XIX, esses poetas

populares ganhavam uma autonomia econômica desconhecida dos cantado-

res, tutelados pelos fazendeiros, tematizando o cotidiano numa diversidade

temática, em que sobressaía o cangaço, a política de Salvações no Nordeste, a

sedição do Juazeiro, em 1914, e a Primeira Guerra Mundial.

Dentre estes temas, o cangaço transformou-se em um dos principais ci-

clos épicos da literatura de cordel, a partir da saga de Antônio Silvino, tomado

como “tipo de herói-bandido” nos registros versificados de suas façanhas, por

vezes, com base nas notícias de jornais ou ainda em “situações fantasiosas e

fantásticas em torno dele”.26

Os romances do ciclo de cangaceiros interessavam muito particular-

mente aos trovadores e ouvintes nordestinos, como, por exemplo, Antônio

Silvino e Lampião, apresentando notável riqueza de invenção ao descrever

indivíduos façanhudos tão peculiares aos desafios nordestinos, como a luta de

Lampião com o Diabo, mito de Orfeu tão universalizado e que é absolutamen-

te geral na tradição dos cantadores nordestinos. Entretanto, o cordelista não

22 Ver CARDIM, Pedro (org.). Cursos da Arrábida: a história: entre memória e invenção. Lisboa: Publicações

Europa-América/Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998.

23 TERRA, Ruth Brito Lêmos, op. cit., p. 71.

24 Ver BURKE, Peter. Popular poetry in the North-East: the rise and fall of the folhetos. In: TRIBE, Tania

Costa (ed.). Heroes and artists: popular art and the Brazilian imagination. Cambridge: Brasil Connects/The

Fitzwilliam Museum, 2001.

25 TERRA, Ruth Brito Lêmos, op. cit., p. 17.

26 PIMENTEL, Altimar de Alencar (seleção e introdução). Francisco das Chagas Batista. São Paulo: Hedra,

2007, p. 42 (Biblioteca de cordel).

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abandona a verdade histórica, mas é admirável a destreza com que ele “trans-

porta da verdade pro lendário, fundindo história e liberdade de invenção com

uma firmeza excepcional”.27

A figura do herói popular do cangaceiro era como símbolo da revolta

nordestina, representando “a imagem do valente camponês que não se rende”

a meio caminho “entre o épico e o picaresco, entre o herói bíblico e o esperta-

lhão valente”.28uma associação mítica entre os personagens do sertão e do

cangaço às figuras de outras literaturas populares, como o ciclo épico de Car-

los Magno e os Doze Pares de França, “mantendo traços arquetípicos das co-

munidades agonísticas honra, fidalguia e valentia – protestando contra ou

celebrando o presente nordestino”.29

Leandro Gomes de Barros, com A Batalha de Oliveiros com Fierabrás, é

um exemplo da utilização “do épico duelo de Oliveiros com o mítico rei de

Alexandria, fazendo-o reviver em chave toda nordestina”. Também em Rodol-

fo Coelho Cavalcante, com A chegada de Lampião no céu, vemos Fierabrás se

transformando em um enviado do diabo, “que tenta inutilmente reconduzir

ao inferno a alma de Lampião protegida pela Virgem”.30

Gustavo Barroso, em Heróis e bandidos (1917), compara a poesia de

Francisco das Chagas Batista com os autores das gestas medievais, afirmando

que em “linhas gerais, seu ciclo de canções épicas é tão espontâneo e belo

quanto os ciclos épicos dos Francos e Bretões, dos Longobardos e Saxônios,

dos Godos e Burgundos”.31 Desse modo, é estabelecida uma relação “entre os

heróis das antigas canções de gesta, celebradas pela tradição, e os novos pala-

dinos do sertão, os cangaceiros, que fazem da lei da honra e do valor na bata-

lha os pressupostos sobre os quais se baseia a lenda criada à sua figura”.32

Podemos ver essa associação no “Cancioneiro de Lampião”, registrado

em livro por Nertan Macedo:

Nos doze pares de França

foi buscar inspiração,

seu chapéu era igualzinho

ao do rei Napoleão,

o imperador Carlos Magno

houvera de ter paixão,

valente como Olivério,

brigava como Roldão,

dos tempos mais recuados

só Osório e Cipião

podiam ser comparados

ao guerreiro Lampião.33

27 ANDRADE, Mário de. O Baile das quatro artes. 4. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 2005, p. 99.

28 PELOSO, Silvano. O canto e a memória: história e utopia no imaginário popular brasileiro. São Paulo: Ática,

1996, p. 105.

29 CHAUI, Marilena, op. cit., p. 73.

30 PELOSO, Silvano, op. cit., p. 106 e 107.

31 BARROSO, Gustavo apud PIMENTEL, Altimar de Alencar, op. cit., p. 32 e 33.

32 PELOSO, Silvano, op. cit., p. 109.

33 Apud MACEDO, Nertan. Capitão Virgulino Ferreira da Silva: Lampião. 2. ed. Rio de Janeiro: O Cruzeiro,

1968, p. 195.

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Entretanto, um movimento pendular de ambiguidade nas narrati-

vas literárias entre essa idealização e a diabolização da figura de Lampião.

Como um símbolo contraditório, o cangaceiro é associado a múltiplas repre-

sentações que vão do bandido sanguinário ao bandido social, do justiceiro ao

mau-caráter sem escrúpulos, tornando-se, portanto, aberto a várias ressonân-

cias.34

Francisco das Chagas Batista, em O marco de Lampião, coloca o longo

enfrentamento de Lampião e o Diabo, que resultou em um pacto: “o diabo

protegerá sempre o novo adepto em troca da sua alma e da promessa de obter

novas almas entre todas aquelas que Virgulino mandará ao outro mundo du-

rante as suas façanhas”.35

No clássico O grande debate de Lampião com São Pedro, José Pacheco

aborda a vida de Lampião post-mortem como uma sucessão de combates. O

heroísmo, moldado pela sua valentia na terra, ressurge diante de novas situa-

ções vividas no além, expondo crenças enraizadas na memória coletiva e na

tradição cristã. O lado cômico da cultura popular oferece uma visão de mundo

não oficial sobre o além através de outras histórias (fantásticas) que compõem

o mito do cangaceiro como valente e guerreiro:

Lampião lhe respondeu:

– Não venha com seu insulto!

Você é um santo bruto –

Que ofensa lhe fiz eu?

E mesmo o Céu não é seu,

Você também é mandado!

Portanto, esteja avisado:

Se não deixar eu entrar,

Nós vamos experimentar

Quem é que tem bom guardado!36

Contrapondo-se ao registro heroico, Leonardo Mota, em No tempo de

Lampião (1930), traça um retrato monstruoso e hediondo de Lampião, com

base em registros do poeta popular José Cordeiro, afirmando o famigerado

bandoleiro obrigava as donzelas a se desnudarem publicamente. No mesmo

diapasão é registrado o comportamento infame da polícia por um depoimento

de fazendeiro, que o havia hospedado: “Quero mais ante me ver neste oco de

mundo, às volta com bandido que com soldado de poliça. [...] Um Tenente no

sertão manda mais que um Juiz de Direito. [...] Muito desprepósito, muito

abissurdo que se cuida, por aí afora, que foi feito por cangacêro, uma óva: foi,

mas foi pela poliça!”.37

As marcas da tradição oral e da literatura de cordel garantiram a per-

manência do cangaço na memória social nordestina, com predominância para

a figura de Lampião. Por vezes, refletindo os sentimentos ambíguos dos pró-

34 Ver SILVA, Patrícia Sampaio. Le symbole et sés diverses résonances: analyse de l’historiographie du

cangaço. Revue Histoire et Société de l’Amerique Latine, n. 4, Paris, mai. 1996.

35 PELOSO, Silvano, op. cit., p. 114.

36 PACHECO, José. O grande debate de Lampião com São Pedro. São Paulo: Luzeiro, s./d, p. 8 (Literatura de

cordel).

37 MOTA, Leonardo. No tempo de Lampião. 2. ed. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1967, p. 49 e 50.

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prios camponeses, este bandoleiro é tratado ora como a encarnação do diabo,

ora como um herói. Existe um condicionamento da memória camponesa sobre

Lampião por parte da tradição oral, trazendo consigo uma dimensão épica nas

narrativas. Como vimos, sua imagética pode chegar mesmo a se aproximar

dos heróis nobres da Europa medieval, popularizados no princípio da era

moderna. A influência dessa memória “não oficial” proveniente da literatura

de cordel e da tradição oral vai influenciar um conjunto significativo de obras

sobre a história do cangaço, como nos textos de Gustavo Barroso, Frederico

Bezerra Maciel e, a reboque da primeira historiadora, Maria Isaura Pereira de

Queiroz.38

Segundo essa última autora, Lampião “não foi desde o início um mito

especificamente ligado às injustiças sociais, em que o bandido aparece como o

defensor do povo oprimido. Ele simbolizou, a princípio, o agente do capita-

lismo dominando os humildes, e isso ao mesmo tempo em que se estava for-

mando a legenda de Robin Hood nacional”.39

Para a socióloga, a construção do mito de Lampião se situa no contexto

do nacionalismo emergente dos anos pós-1945, com a tomada de consciência

dos problemas sociais, constituindo-se em “símbolo de liberdade contra sujei-

ção; símbolo de renovação a partir das forças vivas contra o enquadramento

de coordenadas sociais fossilizantes; símbolo da essência da nacionalidade

contra os elementos estrangeiros e externos”.40 Desse modo, esse mito servia

para salientar “características que lhe sejam úteis para reforçar a solidariedade

interna das coletividades e para distinguir uma das outras as sociedades glo-

bais e, internamente, os grupos que as compõem”.41

Nessa conjuntura dos anos 1940 e 1960, mudanças gráfico-editoriais

ocorreram na literatura de cordel, com a produção da Editora Prelúdio e de-

pois pela Editora Luzeiro, ambas de São Paulo, com a alteração do tamanho

clássico dos folhetos de 11,5 cm por 15,5 cm, destinando-os “ao consumo de

massa que lia naquele formato histórias de santos, almanaques, narrativas em

prosa voltadas para um grande público”.42

Esse processo de expansão da literatura de cordel em moldes empresa-

riais por todo o país foi estudado por Joseph Maria Luyten, que identificou

críticas por parte de jornalistas, como Edilberto Coutinho, e pesquisadores,

como Manuel Diegues Júnior e Raymond Cantel, sobre o “excesso de moder-

nismo e perfeição gráfica” por parte da Editora Prelúdio/Luzeiro.43

A uniformização das publicações por parte desta editora, fixando, em

média, em 13,5 X 18,5 cm e os volumes em 32 páginas, foi vista por esses pes-

quisadores e jornalistas como violenta descaracterização dos folhetos. Entre-

tanto, poetas do porte de Rodolfo Coelho Cavalcante e Manoel D’Almeida

38 Ver FENTRESS, James e WICKHAM, Chris. Memória social. Lisboa: Teorema, 1994, p. 132.

39 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Notas sociológicas sobre o cangaço. Ciência e Cultura, v. 27, n. 5,

Campinas, 1975, p. 495.

40 Idem, ibidem, p. 509.

41 Idem, História do cangaço. 4. ed. São Paulo: Global, 1991, p. 68.

42 AYALA, Maria Ignez Novais. ABC, folheto, romance ou verso: a literatura impressa que se quer oral.

Graphos, v. 12, n. 2, João Pessoa, 2010, p. 66.

43 Ver LUYTEN, Joseph Maria. A literatura de cordel em São Paulo: saudosismo e agressividade. São Paulo:

Loyola, 1981, p. 111 e 112.

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Filho defenderam a excelência da produção editorial desta editora, bem como

do eficiente processo de distribuição dos folhetos.

Apesar da boa intenção de pesquisadores e jornalistas em seu zelo pela

autenticidade de manifestações populares, percebe-se “uma imposição das

elites, das classes dominantes, para uma manutenção do status quo, da pobreza

incipiente em que se encontra o artista popular”. O aumento da produção de

folhetos trouxe prestígio ao autor, com a introdução de ficha biobibliográfica,

e uma relação contratual com a editora Prelúdio/Luzeiro, tornando-se modelo

para outras editoras da literatura de cordel, como a Tipografia e Livraria Bahi-

ana, de Salvador.44

As capas agora se aproximam da ilustração de capas de gibis e de estó-

rias de faroeste, vendidas em bancas de revista, e a produção editorial passava

agora pelo “crivo de Manoel d’Almeida Filho, poeta escritor de folhetos, con-

tratado como editor desta coleção, e depois dele por outros editores”. Desse

modo, o “sistema editorial, antes exclusividade dos prelos nordestinos, ao ser

produzido fora da região, começa a se assemelhar, pelos aspectos exteriores,

com o das editoras voltadas para o consumo de massa”.45

Essa aproximação com a cultura de massas foi além da imitação, resul-

tando, por parte da Editora Luzeiro, numa proposta de cordel em quadrinhos

que pode ser considerada “como um dos marcos da transferência tecnológica

em editoração no Brasil”, pois a “passagem da impressão tosca para uma ex-

pressão refinada já é um grande passo, mas a mudança semiológica dá ao

produto um ar de grande realização tecnológica”.46

Entretanto, essa experiência foi breve e, não obstante a presença de

quadrinistas de renome, como Nico Rosso e Sérgio Lima, “a tentativa de qua-

drinização da Literatura de Cordel não passou de sofisticada ilustração”, limi-

tando a dinamicidade dos quadrinhos com a manutenção de páginas inteiras

de poemas sobre o cangaço.47

Essa experiência foi depois retomada por Klévisson Viana (2000), que

estabeleceu, com o álbum Lampião... Era o cavalo do tempo atrás da besta da vida,

vencedor do prêmio HQ MIX de melhor Grafic Novel de 1998, uma fatura

mais produtiva, do ponto de vista da linguagem, entre a nova literatura de

cordel e a história em quadrinhos. Por meio da editora Tupynanquim, funda-

da em 1995, seu trabalho se propõe a uma “atualização estética do folheto sem

perder sua essência, mantendo-se fiel as suas origens e características origi-

nais”.48

Esse exemplo de utilização do espaço virtual para criar e vender seus

folhetos demonstra, de modo cabal, a capacidade de se mover e viver na con-

temporaneidade, dominando seus instrumentos e modernidade.49Entretanto,

dentro do processo de modernização dos folhetos, mantém-se a sextilha como

a forma fundamental dos folhetos, coexistindo novos temas ao lado dos tradi-

cionais, como é o caso da sátira Lampião na ONU defendendo o Terceiro Mundo,

44 Idem, ibidem, p. 134 e 135.

45 AYALA, Maria Ignez Novais, op. cit., p. 66.

46 LUYTEN, Joseph Maria, op. cit., p. 140 e 141.

47 Ver Idem, ibidem, p. 142.

48 Disponível em <https://tupynanquimeditora.blogspot.com/>. Acesso em 17 ago. 2019.

49 Ver SANTOS, Idelette Muzart-Fonseca dos, op. cit., p. 18.

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de Franklin Maxado, mas a maioria dos escritos traz assuntos atuais, princi-

palmente por conta da concorrência dos meios de comunicação de massa, co-

mo a televisão.

A proposta de “decodificação” das mensagens midiáticas e sua “trans-

criação” em versos foi uma das formas utilizadas por Apolônio dos Santos

para se manter atualizado e intervir no tempo presente, pelo menos desde os

anos 1960. Para ele, o “jornal e o rádio auxiliam o poeta dando-lhe os fatos de

que carece. A televisão dá-lhe ideia para estórias novas”.50

Entretanto, o que interessava ao público leitor do folheto não é descri-

ção dos acontecimentos, mas a narração que é realizada pelo poeta. Segundo

Mariane Santos, citando Slater, o “poeta não se atém apenas à descrição do

acontecimento, ele realiza em conjunto uma ‘reflexão moral’”, principalmente

por haver certa “incidência de finais justos ou mesmo felizes”.51

A modernização relacionava-se também às performances dos poetas,

que utilizam microfones e registram os folhetos em LPs e cassetes. Muitos

poetas passam a viver na grande cidade, como são os casos de Franklin Maxa-

do e Jotabarros que moravam e trabalharam em São Paulo, imprimindo seus

cordéis na Rua Augusta.52

Se o diálogo entre o cordel e os meios de comunicação de massa foi re-

alizado ao longo do século XX, recentemente o mundo das novas tecnologias,

especialmente a internet, tem servido de base para reler acontecimentos preté-

ritos, numa dialética presente-passado-presente. De modo contraditório, os

folhetos sobre o cangaço preservam a tradição dos costumes sertanejos contra

a modernidade e, ao mesmo tempo, tentam se adaptar ao mundo cibernético,

produzindo textos em que a internet comparece com frequência cada vez mai-

or nessas narrativas, às vezes se aproximando da ficção científica. É o estra-

nhamento com as mudanças culturais no sertão, confrontando valores arcaicos

e modernos, em que esses folhetos se afastam da tese euclidiana do suposto

isolamento cultural sertanejo, ultrapassada pela diluição entre as fronteiras

entre cidade e campo e a marcante presença das novas tecnologias.

Esse estranhamento da figura de Lampião entre signo antimoderno,

sinônimo do atraso dos sertões nordestinos, e “cabra moderno” foi represen-

tada no folheto de Marcelo Soares, filho do poeta-repórter José Soares (1914-

1981). Em 2002, colocando-se na condição de “micreiro famoso”, o cordelista

estabelece um diálogo com o cangaceiro Lampião por meio do computador,

que não nega sua maldade, mas reclamava que, nas profundezas do inferno,

não existia computador e “eu também sou moderno”, pretendendo “informa-

tizar/Meu bando de cangaceiros”.53

Se conseguir, do inferno “o mundo vai mudar”, restaurando-se o mo-

do antigo de viver no sertão: “Moça terá que ser virgem/ Para poder casar” e

para o inferno virão os “políticos corruptos E ladrões da consciência”, “Os

50 SANTOS, Apolônio dos apud SANTOS, Mariane Nascimento dos. Política dos tubarões e sociedade da carestia:

a redemocratização do Brasil nos folhetos de cordéis de Apolônio Alves dos Santos (1974-1992). Dissertação

(Mestrado em História) – UFS, São Cristóvão, 2016, p. 74.

51 Idem, ibidem, p. 60 e 59.

52 Ver BURKE, Peter, op. cit., p. 47 e 48.

53 SOARES, Marcelo. A volta do cangaceiro Lampião via internet. Timbaúba: Folhetaria Cordel, 2002, p. 5

(Literatura de cordel).

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pederastas devassos” e a “Mulher que trai o marido”.54 Esse viés conservador

do folheto se manifesta nas estrofes finais: “Oh! meu Anjo Cangaceiro/ Aben-

çoai o Sertão/ Rei é o Nosso Senhor/ E o tal computador/ serve de distra-

ção”.55

Em outra chave de leitura do cangaço na pós-modernidade, Klévisson

Viana, em O Cangaceiro do futuro e o jumento espacial, propôs um novo gênero

“baseado/Na ficção científica/E no cordel bem rimado”. Apesar de sua propos-

ta ser escrever uma “história futurista” ambientada no ano de 2100, o folheto

mantém a denúncia contra os políticos tradicionais do Ceará em sua estratégia

de dominação contra a população mais pobre, agora utilizando-se do “voto

eletrônico/ Que manipula a eleição”:

O coronel Galê Site

Maluco sem consciência

Clonado diversas vezes

Se aproveita da ciência

Para ficar no poder

Esnobando a Providência56

O espaço sideral foi utilizado também por outro importante cordelista,

Antônio Carlos de Oliveira Barreto, que estabeleceu contato com Maria Boni-

ta, via e-mail, para compor um cordel “responsável e fiel”. Como estava à

frente do seu tempo, ela soube conviver entre os homens de Lampião, sem se

curvar ao ambiente machista. Para o cordelista, Maria Bonita parecia “Shera-

zade”, “Ajudando Lampião/ Na hora de decidir/ Com atitudes sensatas/ Vi-

sando um novo porvir”.57

Essa leitura de coragem e sensibilidade femininas num mundo domi-

nado por homens a faz adotar uma postura revolucionária, segundo o folheto:

Voz altiva no cangaço

Ao lado de Lampião

Maria Déa passou

A brilhar na sua missão

Mostrando que a mulher

É muito mais que emoção

Sem perder, nem macular

Sua feminilidade

Maria Bonita foi

Símbolo da liberdade

Musa revolucionária

Pra seu tempo e sua idade58

54 Idem, ibidem, p. 4.

55 SOARES, Marcelo, op. cit., p. 8.

56 VIANNA, Klévisson. O cangaceiro do futuro e o jumento espacial. Fortaleza: Tupynanquim, 2008, p. 2.

57 BARRETO, Antônio Carlos de Oliveira. Maria Bonita: a musa de Lampião. Salvador: e./ed., 2010, p. 1 e 6

(Literatura de cordel).

58 Idem, ibidem, p. 5.

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No acróstico definidor da autoria, Barreto estabelece certo romantismo

revolucionário na interpretação do cangaço:

Bravura pelos sertões

Altivez, encantamento

Rebeldia, dor, mistério

Romantismo, alumbramento

Entusiasmo, ternura...

Tiveste amor e doçura:

Oh Maria, o teu alento59

Dentro da mudança na estrutura do sentimento na pós-modernidade,

a emergência discursiva do feminino no cangaço trazia contradições na repre-

sentação de uma mulher forte e bela, como Maria Bonita, num cenário marca-

damente patriarcal. Como apontou Daniel Lins, os “poetas a descreveram bela

como uma princesa, forte como uma guerreira, inteligente e misteriosa como

uma deusa do Olimpo sertanejo! Com seus olhos ‘azuis cristalinos’, ela sedu-

zia e hipnotizava Deus e o diabo!”60, como no texto clássico de Antônio Teo-

doro dos Santos, em Lampião: o rei do cangaço, que a definiu por sua beleza e a

transformação das regras do cangaço pela força poderosa do amor, cujas mu-

lheres eram consideradas como guerreiras e não apenas companheiras:

Alguém que não conheceu

A mulher de Lampião

Seu nome diz a beleza

E a proeza o coração

Lutava contra a polícia

Tinha coragem e perícia

Destreza no mosquetão61

Em mulheres no cangaço, Varneci Nascimento e Nando Poeta denunciam

o machismo em sua narrativa, construindo uma imagem de valentia e cora-

gem para as mulheres que “Sem temer a desventura/ Foi habitar o cangaço”.

Tentando associar às mudanças na estrutura do sentimento, de quebra de pa-

radigma do machismo, esse texto sugere que o “feminismo” superou a ima-

gem da “fase selvagem” do cangaço, quebrando “os paradigmas/ Na caatinga

nordestina”.62

Além da famosa rainha do cangaço, esses cordelistas recuperam a figu-

ra de Anésia Cauaçu, “Que clamava por justiça/ Usando da coragem/ Comba-

teu a injustiça/ Na Chapada Diamantina/ Sua braveza a atiça”.63 Assim, essa

narrativa desempenha papel relevante na memória das mulheres do cangaço,

elencando os nomes das dezenas que participaram do movimento bandoleiro,

“amansando” a brutalidade dos cangaceiros:

59 Idem, ibidem, p. 8.

60 LINS, Daniel. Lampião: o homem que amava as mulheres. São Paulo: Annablume, 1997, p. 61.

61 SANTOS, Antônio Teodoro dos. Lampião: o rei do cangaço. São Paulo: Luzeiro, 1959, p. 23 (Literatura de

cordel).

62 NASCIMENTO, Varneci e POETA, Nando. As mulheres no cangaço. São Paulo: Luzeiro, 2014, p. 13

(Literatura de cordel).

63 Idem, ibidem, p. 16.

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Delicadamente iam

Tornando o homem mais manso.

Esqueciam as velhas práticas,

Um considerável avanço.

Nas relações entre gênero

Aboliram todo o ranço.64

Nesse mesmo diapasão, também o poeta Zé Antônio versejou Maria

Bonita como “domadora de feras”:

Maria Bonita

Fez sua revolução

Domando a grande fera

O famoso Lampião

Enfrentando embaraço

Foi rainha do cangaço

Nas caatingas do sertão65

De um modo geral, os poetas populares incluíram as mulheres à gesta

do cangaço a partir do ciclo das histórias de amor, pois se Lampião é capaz de

amar, isso resultou em um processo de humanização do famoso bandoleiro.

Assim, essas narrativas literárias têm realizado um reaproveitamento inova-

dor da tradição oral e do imaginário nordestino, proporcionando uma visão

amainada do cangaceiro, não o colocando como bandido muito menos como

herói, mas como seres demasiado humanos.66

O cangaço revisto na perfomatividade do cordel

As relações entre o cangaço e a cultura popular foram aqui pensadas

no contexto do vasto repositório de informação em que assenta o viver social,

gerada, transmitida e adquirida através da dimensão performativa da socieda-

de, marcada pelo “cruzamento das linguagens e das modernidades”, como

apontado por Idelette Muzart-Fonseca dos Santos. Os folhetos acompanharam

as transformações sociais, econômicas e culturais ocorridas na sociedade brasi-

leira nos séculos XX e XXI, demonstrando enorme “capacidade de renovação e

permanente absorção de narrativas, de linguagens, de imaginário”.67 Portanto,

sem negligenciar o “imaginário-base” da produção de folhetos clássicos, com

seus elementos tradicionais, editados nas primeiras décadas do século XX68, é

forçoso “reconhecer a total modernidade dessa abordagem do real, dessa inte-

gração de formas e linguagens oriundas dos mais diversos horizontes, bem

como do aproveitamento das novas técnicas de comunicação” desenvolvidas

nos séculos XX e XXI, da imprensa escrita à comunicação virtual e internet.69

64 Idem, ibidem, p. 26.

65 ANTÔNIO, Zé. Como Maria Bonita desafiou Lampião. Aracaju: Datagraph, 2018, p. 5 (Literatura de cordel).

66 Ver MELO, Andréa Patrícia Santos. A rainha do cangaço nos folhetos de cordel. Ponta de Lança: Revista

Eletrônica de História, Memória & Cultura, v. 3, n. 5, São Cristóvão, out. 2009-abr. 2010, p. 74.

67 SANTOS, Idelette Muzart-Fonseca dos, op. cit., p. 15 e 24.

68 Ver TERRA, Ruth Brito Lêmos, op. cit., p. 71.

69 Ver SANTOS, Idelette Muzart-Fonseca dos, op. cit., p. 24.

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A diluição entre as fronteiras entre cidade e campo e a marcante pre-

sença das novas tecnologias, com a consequente compressão do espaço-

tempo, típica da modernidade tardia ou pós-modernidade, fizeram com que

a leitura dos folhetos sobre o cangaço estabelecesse recriações das histórias

tradicionais ou mesmo releituras para se aproximar do leitor contemporâ-

neo. Nessa perspectiva, numa dialética presente-passado-presente, esses

folhetos buscam preservar os costumes tradicionais sertanejos e, ao mesmo

tempo, adaptam-se ao universo da internet, transformado em um persona-

gem partícipe das narrativas.

Os textos dos folhetos também trazem revisões sobre as permanências

culturais do arcaísmo patriarcal, pois, apesar das transformações culturais que

tentam superá-lo, a violência como código de honra ainda se mantém vivo

neste sertão pós-moderno. Na reconstrução da memória regional, esses poetas

transportavam “verdade pro lendário, fundindo história e liberdade de inven-

ção com uma firmeza excepcional”.70 Influenciados pelos “novos tempos”, o

papel das mulheres assume protagonismo nas narrativas dos folhetos, por

vezes pecando por certo anacronismo ao colocar as cangaceiras como “femi-

nistas”. Essa liberdade criativa contribuiu para o processo de humanização de

Lampião, com a entrada de mulheres nos bandos, estabelecendo um entrecru-

zamento dos discursos histórico e ficcional, entre a história factual e a produ-

ção literária.71

Os folhetos fazem parte dessa revisão histórica do cangaço empreen-

dida por outras artes, como, por exemplo, o romance Os desvalidos, de Francis-

co J. C. Dantas (1993), ou a peça teatral de Marcos Barbosa, intitulada Auto de

Angicos (2003), numa reinterpretação cultural do cangaço, em que se configura

numa outra proposta de produção da memória social do fenômeno, que se

afastados determinismos climáticos, raciais e culturais que teimam em perma-

necer em parte da historiografia do tema. Afinal, cangaceiros e cangaceiras

eram seres demasiadamente humanos e condicionados pela história dos ser-

tões brasileiros, marcada pela resistência rebelde, mas também pelo confor-

mismo.

Artigo recebido em 7 de abril de 2020. Aprovado em 17 de maio de 2020.

70 ANDRADE, Mário de, op. cit., p. 99.

71 Ver CAVIGNAC, Julie. A literatura de cordel no Nordeste do Brasil: da história escrita ao relato oral. Natal:

Editora da UFRN, 2006, p. 164.